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Tribunal de Contas do Estado não
influenciará em decisões das Câmaras
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
22/08/2011 | 07:52
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O Tribunal de Contas do Estado entrou na mira dos vereadores do Grande ABC. Parlamentares da região abriram guerra contra o órgão responsável por analisar contas públicas, reclamam de falta de critérios e inconstitucionalidades cometidas pelos conselheiros e querem limitar atuação do TCE. Entre as principais reivindicações, buscam tirar autonomia do setor para não julgar movimentações financeiras das Câmaras. Com 41 anos de TCE, o secretário-diretor geral do órgão, Sérgio Ciquera Rossi, rebate as acusações, enaltece a atuação do TCE, critica margem de remanejamento exorbitantes - principalmente a da Prefeitura de São Caetano, com 100% de liberdade para alterações. Mas reconhece: o tribunal não tem capacidade para interferir em discussões políticas, como diminuição do poder da autarquia ou aumento no número de vereadores. "O tribunal apenas cumpre o que a Constituição Federal determina", garante.

 

DIÁRIO - Como o sr. analisa essa movimentação dos vereadores em tirar autonomia do Tribunal de Contas em julgar as contas das Câmaras?

SÉRGIO CIQUERA ROSSI - Tive dificuldade em entender isso. Eu vou chamar de rebelião, não no sentido pejorativo, mas pela contrariedade que as Câmaras Municipais mostraram. É preciso que se saiba que as entidades não têm vontade própria e não têm comando sobre aquilo que lhes é determinado pela Constituição. Nós emitimos pareceres em relação às contas das Prefeituras porque é a Constituição que assim estabelece. Minha compreensão a esse fato é que teríamos privilégios desmedidos as Câmaras Municipais no sentido que elas iriam autojulgar suas contas.

 

DIÁRIO - O sr. acredita que os vereadores querem legislar em causa própria?

ROSSI - É ferir o princípio da moralidade e da impessoalidade. É um privilégio que não teria razão para ser. Nem o próprio TCE tem esse privilégio. Não é conferido ao órgão autodefinir-se. Nós submetemos nossas contas à Assembleia legislativa.

 

DIÁRIO - Os vereadores, muitas vezes, dizem que o TCE não tem conhecimento da realidade local ao julgar as contas. O que o sr. pensa desse argumento?

ROSSI - Fica difícil (aceitar) porque na verdade o TCE tem sido ponderado em relação às contas das Câmaras. Temos reprovado pouquíssimas contas de Câmaras Municipais. O que nos preocupa são os motivos de rejeição. Não são porque não aplicam recurso no ensino, na Saúde ou precatório, porque essas obrigações competem aos Executivos. As questões que implicam nas Câmaras são as chamadas despesas de custeio, com folha de pessoal, ultrapassa limite dos gastos do Legislativo em seu todo, 70% da folha de pagamento ou subsídios fixados em parâmetros além dos limites da Constituição. Na medida em que eu ouço que as Câmaras querem julgar suas contas, as remunerações, que já por prerrogativa constitucional lhes pertence privativamente fixar, também serão aprovadas pelos próprios vereadores. Abrirá espaço para que eles autorizassem aumentos acima da lei sem que ninguém dissesse que isso está errado.

 

DIÁRIO - Outro argumento dos parlamentares é a disparidade em pareceres de situações semelhantes. O sr. concorda com esse posicionamento?

ROSSI - Não há isso. Se reclama muito que alguma situação é igual à de outras cidades. O exame de um processo é aprofundado, não tem privilégio. Demonstra que os casos não são iguais. Existem nuances pequenas que fazem com que um processo tenha uma decisão e outro tenha outra. Porque se fosse assim não precisaríamos ter necessidade de livre convicção do julgamento. Plastificaria as decisões, decisões uniformes. Às vezes falta o que a outra parte que pode explorar, e o TCE tem sido pródigo nisso, que é o direito de ampla defesa e do contraditório. Não faz com a precisão que devia.

 

DIÁRIO - O TCE tem poder para impedir essas mudanças de julgamento de contas ou então o aumento no número de vereadores?

ROSSI - Falo como técnico de longa vivência no tribunal. O tribunal, na minha visão, nada fará. Cumprirá o que a Constituição determinar. Não pode ser de outra forma. Uma das maiores demonstrações de que o tribunal é submisso às normas constitucionais é com o ‘fale conosco'. Um cidadão diz, sobre as contas do prefeito, que o relatório do TCE é vasto e técnico, que concluiu que a conta não pode ser aprovada. Reclamam que, em 15 minutos, a Câmara derrubou parecer do tribunal, Perguntam se a gente não pode fazer nada. A resposta é que esse é o estado de direito do regime democrático. Não precisa nem motivar. O TCE não se opõe a isso, não cria resistência. Poderíamos dizer que estamos inconformados porque tamanhos abusos e violações a lei foram cometidos e isso não valeu. Quem perde é o interesse público. Afinal, os vereadores foram eleitos pelo povo. Eles são a vontade do povo.

 

DIÁRIO - Outro tema que gerou polêmica no Grande ABC foi a orientação sobre o limite de remanejamento. Primeiro se falou que era determinação, depois orientação. Como se dará essa análise?

ROSSI - Criou-se a celeuma porque não colocamos o termo "missão de orientar". Em poucas palavras, seria um conselho de cuidado para atravessar a avenida, mas não falei para você não atravessar. Se você atravessar com cuidado, a chance de ser atropelado é reduzida. Dentro do Orçamento, você deve ter equilíbrio entre despesa e receita e tem de ter margem para determinadas aberturas de crédito. No Orçamento da União, esse percentual é de 10%. No Estado é de 17%. Para Câmaras e Prefeituras, a margem é a mesma. Se você abre margem para abertura ou remanejamento de 100%, não há fidelidade na peça orçamentária. Isso viola o princípio da verdade orçamentária.

 

DIÁRIO - O Orçamento em São Caetano tem margem de remanejamento de 100%...

ROSSI - É peça de ficção. É bem provável que não tenha havido reflexo nas contas, que isso não vá refletir nas contas. É uma cidade que tem boa arrecadação. Mas é possível que a gente entenda que houve remanejo no Orçamento sem nenhuma garantia que foi fiscalizado pelo Legislativo, que é dono do Orçamento para fim de fiscalização.

 

DIÁRIO - Esse limite será determinante na análise das contas?

ROSSI - Se eu recebo Orçamento que tenha margem elevada e não tenha recursos para essa movimentação (terei de rejeitar). Tenho de dizer que houve déficit orçamentário de 20% e esse déficit é motivo de sobra para rejeitar as contas. Porque eu inflacionei o passivo da Prefeitura em 20%.

 

DIÁRIO - Qual o papel do TCE nessas discussões, como aumento de vereadores, limitação da apreciação das contas e limite de remanejamento? Fica secundário nesses debates?

ROSSI - Nós compreendemos que sistemática está escrita assim porque foi assim a vontade de quem fez as leis, que é o próprio povo. A derrubada do nosso parecer, por exemplo, não enfraquece nossa ação. Nós cumprimos nosso papel e a Câmara cumpriu o dela. O que isso pode significar para o interesse público? Só o tempo dirá. Porque, por exemplo, não pagar os precatórios judiciais e dizer que isso está certo resulta na violação do direito público. Sem contar com a falta de cuidado da dívida. Respeito o Legislativo, porque sei que é da sua essência a ação política.




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