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Eliana estréia mal na telona
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
14/01/2005 | 16:13
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Dá para perceber uma curiosa manifestação de inconsciente coletivo no novo cinema brasileiro feito para crianças e Eliana e o Segredo dos Golfinhos lubrifica a regra. A fórmula talvez indique algo preocupante, tanto pela coincidência quanto pela pouca iniciativa de escapar a lugares-comuns – do ponto de vista temático ou estético. Pois bem. Tal qual Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida e Tainá 2 – A Aventura Continua, o longa de estréia da apresentadora Eliana Michaelichen, a partir desta sexta-feira em três salas do Grande ABC, traz um ecossistema vitimado e uma heroína de silhueta bem esculpida, que assume temporariamente o papel de leão-de-chácara do meio ambiente. Um sinal de limitação, a princípio.

É um espaço muito curto, praticamente um mês, o que distancia os três lançamentos. Encrenca nenhuma com relação ao tema em si – afinal, a questão ambiental anda pelas quinas faz tempo. O problema reside na monotemática diluída entre filmes diversos e no emprego dela como recibo do sucesso; tudo pretende se justificar pela pedagogia, pela conscientização ou por digressão que o valha, sem dúvida.

O Segredo dos Golfinhos tem direção de Eliana Fonseca – realizadora do longa-metragem Ilha Rá-Tim-Bum (2003), também alinhado ao espírito ecologicamente correto. A atriz principal, funcionária da Rede Record, vive o papel de si mesma, apresentadora de TV que viaja a um paraíso mexicano chamado Riviera Maya para gravar uma série de programas especiais.

Uma vez lá, desfruta de intimidade singular entre os golfinhos que freqüentam uma reserva, assistidos por Fred (Daniel del Sarto) e Pepe (Jackson Antunes). No lugar, Eliana organiza um concurso de redação cujo vencedor terá direito a conhecê-la, bem como aos delfins. Eis que pintam na história o garoto Calé (João Paulo Beinemann), ganhador da promoção e paupérrimo habitante de uma cidade do interior brasileiro, e Rogério (Thomas Levisky), mauricinho mirim que, graças a uma fraude, também embarca para o México.

Neste ínterim, uma corja liderada pelo empresário Esquivel (Fulvio Stefanini) saqueia, de um santuário marítimo, uma caveira de cristal que brinda seu portador com incalculáveis poderes e, quando deslocada de sua origem, ameaça a segurança e a saúde dos golfinhos.

Pronto: a nobreza de um tema que permita unanimidade e a presença/chamariz da loirinha na beca de heroína trombam para a lateral a necessidade de meditar cinematograficamente sobre o conteúdo. Eliana Fonseca até ensaia uma ou outra tentativa nesse sentido: como no logotipo da holding Esquivel que invade a tela em ocasiões protagonizadas pelo vilão e promove analogia direta com a exploração dos recursos naturais via capital. Ou na seqüência da entrevista em que Eliana (a apresentadora) parece acuar Esquivel, após este anunciar que transformará o parque dos golfinhos em “shark park” (parque de tubarões). Nesse instante, a diretora joga com a substância dos diálogos, de frases que, recortadas de seu contexto integral, podem apresentar sentidos diversos, quando não opostos.

Mas é pouco para fazer Segredo dos Golfinhos se licenciar da tolice de que mensagem positiva e celebridade enchem barriga no cinema. Ao mesmo tempo que o filme comporta esses estalos de linguagem, arruma também umas bobagens. Uma delas é a reprodução de um paraíso mexicano como se fosse a nova Miami, no qual desde o juiz no tribunal até os ativistas de uma passeata falam português com acento brasileiro (com o roqueiro Supla entre eles).

Outra é a cena em que a centelha de paixão entre Eliana e Fred está única e exclusivamente sintetizada num luau individual. Deslocada é apelido. Ou na montagem epilética, do editor Michael Ruman, que sugere uma conexão mágica entre Pepe e os golfinhos. Momentos assim, mais a tendência a deificar a protagonista – como acusam o beijo constrangido dado pela heroína no mocinho e a amiguinha de Calé que deseja intensamente conhecer Eliana como se esta fosse um Messias – levam o filme a embaralhar as barbatanas.



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