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Contrato de gaveta requer muito cuidado
Por Cibele Gandolpho
Do Diário do Grande ABC
11/04/2010 | 07:22
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Contratos fechados verbalmente na base da confiança não é uma situação confortável para qualquer tipo de venda, que dirá de um imóvel. Comprar a casa própria nestes moldes, chamados de contrato de gaveta, aumentam os riscos de gerar prejuízos para quem vende e principalmente para quem compra.

Geralmente, esses contratos ocorrem quando o vendedor ainda está pagando o financiamento do imóvel, sendo que o comprador é quem irá dar continuidade ao pagamento das parcelas.

Mas por que muita gente ainda faz? Simples, ao fazer o refinanciamento (transferência do saldo devedor para o nome do novo dono), o valor mensal da prestação sobe. Assim, a venda não é registrada em cartório e não têm efeito jurídico.

A prática ganhou força a partir de março de 1990, quando foi criada uma restrição legal à transferência de imóveis financiados. Isso onerou as transações, com o aumento de 20% na prestação e de 2% no saldo devedor dos financiamentos, além de sujeitar o comprador à análise e a aprovação de crédito pelo banco.

"O vendedor pode sair prejudicado quando o comprador do imóvel, por algum motivo qualquer, deixar de pagar o financiamento. A dívida e a inadimplência irão recair sobre o antigo proprietário", alerta a advogada Renata Ferreira do Carmo.

Segundo ela, o maior risco é para quem compra, pois o comprador irá pagar por um bem que está em nome de outra pessoa. E se o antigo dono desaparecer ou se recusar a transferir a casa, ele perde tudo. "Isso porque, na hora de quitar o financiamento ou vender o imóvel, o antigo proprietário deve assinar o contrato."

Morte - Outros problemas relatados são o fato de o ex-dono falecer e se ele tiver algum problema com a Justiça. No primeiro caso, o comprador tem um caminho difícil a percorrer até que seja feita a transferência do bem após a morte do proprietário. Outro problema é que, o costumeiro o seguro de vida vinculado ao financiamento quita o bem no nome dos herdeiros.

Já no caso de problemas de dívidas em juízo, o imóvel pode ser penhorado e o comprador sequer fica sabendo disso, uma vez que, para efeito legal, não foi realizada nenhuma venda.

"A garantia do empréstimo se dá por meio da hipoteca do bem. Assim, se o comprador não quitar o valor, o imóvel responderá pela dívida, ainda que utilizado para moradia da família, pois a proteção concedida ao bem de família não é aplicável nesse caso", afirma Renata.

Financiamento - O presidente do Ibedec (Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo), José Geraldo Tardin, ainda cita em cartilha do órgão sobre o assunto outra desvantagem. "Uma pessoa que tenha feito financiamento pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e transferido o imóvel por contrato de gaveta, quando quiser financiar outra casa pelo SFH, encontrará taxas de juros mais altas, terá problemas para o cálculo da margem de renda disponível para o pagamento das prestações e poderá ter até o segundo financiamento negado."

Pela gaveta, o comprador não poderá usar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para quitar o financiamento, caso o vendedor já possua um outro imóvel.

A advogada Renata ressalta que muitos casos que foram à Justiça tiveram ganho de causa para o novo dono, mas não é tarefa fácil. O comprador deve pedir procuração do titular para que possa, se necessário, acionar a Justiça contra o banco. "Como a instituição não reconhece o gaveteiro, ele não tem legitimidade para recorrer à Justiça em caso de erro do banco, seja ao aplicar reajuste errado, seja em caso de o imóvel ter sido quitado, não poderá exigir da instituição a liberação da carta de hipoteca. Mas a procuração é passível de ser revogada a qualquer tempo", explica a advogada.

Correção - E, por fim, há ainda o problema dos contratos de gaveta em imóveis financiados com equivalência salarial. Se a categoria profissional do proprietário original der aumentos maiores que a do comprador, as prestações vão subir acima do que deveriam, podendo inviabilizar o pagamento da parcela e, por conseguinte, a perda do imóvel para o banco e de tudo o que já se pagou.

O mais indicado, segundo os especialistas, é fazer o refinanciamento. "O recomendável é sempre fazer a aquisição pelos meios normais e legais", afirma Tardin. Atualmente, a facilidade de crédito é muito maior e existem opções menos arriscadas.

Comprador deve ter advogado na assinatura
Se, depois de expostas tantas desvantagens sobre as vantagens em si, a pessoa se vir sem opção para adquirir um imóvel e for recorrer ao contrato de gaveta, a advogada Renata Ferreira do Carmo, lembra que ela deve sempre buscar o auxílio de um advogado a fim de tentar antecipar e evitar problemas com cláusulas contratuais.

Para se prevenir quanto aos riscos desse negócio, a primeira providência é a investigação da ficha do vendedor, pois, em caso de ser acionado na Justiça por qualquer dívida, o bem poderá ser penhorado. E conferir ainda a certidão de matrícula do imóvel no cartório de registro, verificando se há parcelas em atraso no banco ou dívidas de IPTU junto à prefeitura.

O comprador deve sempre guardar os comprovantes de pagamento das parcelas do financiamento, que servirão como prova da aquisição em caso de problemas futuros.

"Quem compra deve estar ciente dos problemas de aumento de prestação, decorrentes do falecimento do titular e das responsabilidades que terá caso atrase o pagamento de prestações ou outros encargos", destaca José Geraldo Tardin.

Para quem vende o financiamento mediante contrato de gaveta, aconselha-se exigir do comprador garantias para o pagamento da dívida e certificar-se da idoneidade do mesmo, porque é o nome dele que vai aparecer perante o agente financeiro e caso o gaveteiro não pague é também o nome do vendedor que ficará negativado nos órgãos de proteção ao crédito, como SCPC, Serasa etc.

Há casos ainda em que um imóvel tem mais de um contrato de gaveta, quando o segundo dono vende para terceiro, que passa para quarto e assim por diante, até o fim das prestações. "Chega uma hora que, às vezes, o primeiro dono nem sabe quem está pagando as parcelas que estão em seu nome", diz Tardin. Ele aconselha que, a cada transferência, todos os antigos donos devem participar. "Caso contrário, o mutuário poderá cobrar pendências do gaveteiro com quem firmou contrato, mesmo que, a essa altura, quem deveria estar pagando as prestações é um terceiro ou quarto envolvido", completa.

Justiça tem sido favorável aos compradores
Apesar de o contrato de gaveta não ser prática reconhecida em cartório, já houve casos de reconhecimento desses contratos e perdões na Justiça para contratos firmados até 25 de outubro de 1996, por meio das medidas provisórias 1.520, 1.696, 1.877, 1.878, 1.981 e, mais recentemente, pela Lei nº 10.150/00.

O poder Judiciário, por sua vez, reconhece que os contratos anteriores a 14 de março de 1990 podem ser repassados com a simples troca de mutuário, apenas transferindo o saldo devedor e as prestações para o novo proprietário e sem acréscimo.

Já pela Lei 10.150/00, os financiamentos concedidos em qualquer época, desde que os contratos de gaveta tenham sido firmados antes de 25 de outubro de 1996 - o que deve ser provado por assinatura com firma reconhecida ou procuração -, podem ser validados até administrativamente.

Porém, o banco pode negar a transferência do imóvel. Aí, o único jeito é recorrer à Justiça. "Há vários entendimento nos tribunais, inclusive STJ e TRF's que dão ganho de causa aos gaveteiros, reconhecendo a validade dos contratos e conferindo a eles legitimidade para a busca da revisão judicial do documento. Mas recorrer à Justiça para garantir seus direitos nem sempre é uma tarefa fácil e rápida", explica o advogado Luiz Fernando Araújo.

"O fato é que, até agora, não há lei que ofereça proteção legal a qualquer contrato firmado hoje na forma de gaveta e que seja válido junto ao banco gestor do financiamento do imóvel", conclui.

Mesmo com tantos riscos, o bancário André Luis Josselen, 45 anos, resolveu arriscar quando comprou seu primeiro imóvel. "Fiz um contrato de gaveta com o amigo da minha irmã. Ele até mudou de Estado durante os dez anos em que paguei o empréstimo no nome dele. Mas quando fui fazer a quitação, ele veio a São Paulo para acertar a situação comigo. Valeu a pena, mas não sei se faria outro contrato com alguém que não conheço ou que não tenho referências", conta.




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