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Arquiteta estuda modo de vida de morador de rua
Por Do Diário do Grande ABC
03/10/1999 | 15:35
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Em Sao Paulo eles sao os sem-teto. Em Los Angeles, os homeless. Em Tóquio, "homeressu", uma versao ajaponesada do termo, já que nao existe uma palavra nativa para designar o morador de rua no Japao, pois o fenômeno é recente - nasceu nos anos 90, com a crise econômica.

Um estudo, realizado pela filósofa e estudiosa de estética Maria Cecília Loschiavo dos Santos, mostra de que maneira os moradores de rua de três cidades (Sao Paulo, Tóquio e Los Angeles) reutilizam materiais jogados no lixo por camadas mais privilegiadas da populaçao para construir a própria arquitetura e identidade.

O registro fotográfico de sua pesquisa está na exposiçao Castoff/Outcast - Living on the Street, que fica em cartaz até dezembro no Fowler Museum of Cultural History, na Ucla, Los Angeles, com três outras mostras cujo tema é a reciclagem de materiais em arte e objetos. A exposiçao segue depois para Tóquio e algumas cidades européias, antes de chegar ao Brasil, no segundo semestre do ano 2000.

Autora de seis livros sobre design e mobiliário brasileiros, Maria Cecília decidiu abandonar o universo das casas burguesas para compreender uma das facetas mais dramáticas dos domicílios contemporâneos: a casa de rua.

"O interesse nasceu em 1994, quando comecei a notar que a comunidade instalada no viaduto que liga as avenidas Dr. Arnaldo e Paulista, em Sao Paulo, utilizava diversos móveis de designers brasileiros famosos", conta.

O olhar sobre a arquitetura dos moradores de rua foi inédito no pós-doutorado que Maria Cecília desenvolveu em Ucla, entre 1995 e 1996. "Havia muitos estudos sobre saúde, territorialidade e geografia, nao sobre arquitetura", diz.

Dados oficiais do governo norte-americano estimam que existam 33 mil homeless em Los Angeles. A maior parte é composta por trabalhadores da construçao civil que ficaram desempregados. "Há ainda muitos veteranos de guerra que recebem uma pensao do Estado e nao conseguem adaptar-se às regras dos abrigos públicos."

"Em Los Angeles, assim como em Tóquio e Sao Paulo, existe uma verdadeira cidade de papelao e de plástico", narra a pesquisadora. Objetos comuns nessas casas, que algumas vezes têm dimensoes próximas à do corpo de seu habitante, outras chegam a ter dois cômodos, sao os brinquedos. "Bonecas e ursos de pelúcia transformam-se em bibelôs mesmo em casas que nao têm crianças." Com exceçao de Sao Paulo, a populaçao entrevistada por Maria Cecília é predominantemente masculina e solitária.

Em Tóquio, onde se estima a existência de 8 mil moradores de rua, plásticos usados para embalar material da construçao civil, e que depois vao para o lixo, sao sustentados por tubos comumente usados para erguer bunners e faixas publicitárias. Do lixo vêm também aparelhos eletroeletrônicos, como rádios e televisoes, que podem ser reutilizados em casas construídas sobre calçadas, graças a uma operaçao criada pelos homeless para aproveitar energia das instalaçoes públicas.

Fiscalizaçao - As habitaçoes informais japonesas concentram-se em parques, avenidas ou estao à margem de rios, como o Rio Sumida. A comunidade do Rio Sumida construiu casas relativamente grandes (algumas têm dois cômodos) sobre uma calçada cuja extensao é toda acompanhada de um muro. Mensalmente algumas horas antes da fiscalizaçao municipal - esta é anunciada por meio de um anúncio fixado no muro -, eles desmontam as edificaçoes de plástico e papelao, apóiam uma escada sobre o muro e transferem o material para o outro lado. Passada a fiscalizaçao, é tudo colocado de volta. "Essa comunidade é quase toda composta de trabalhadores da construçao civil que perderam emprego na crise econômica que o Japao começou a viver a partir de 1995", explica a pesquisadora. Uma outra comunidade, instalada nos corredores da estaçao Shinjuku de metrô, empregou o trabalho de pintores que transformaram as edificaçoes em verdadeiras obras de arte. "Infelizmente, nao pude ver de perto as casas, pois eles foram expulsos e hoje vivem em um parque, mas pude ter acesso às fotos, que estao na exposiçao", conta Maria Cecília.

"O condomínio era tao sofisticado que os moradores aproveitaram números estampados nas colunas sustentadoras da estaçao para instalar suas casas e assim ter um endereço", explica a professora, que usa o termo condomínio para todos os conjuntos de casas vistos por ela.

Maria Cecília pretende continuar suas pesquisas em Paris e em cidades da Asia e da Africa. Nao está preocupada em saber as diferenças entre os homeless dos países pobres e dos países ricos, embora muitos se perguntem como pode haver moradores de rua em cidades como Tóquio, Los Angeles ou Paris. "O que me interessa é investigar a extraordinária criatividade que o ser humano tem para suprir suas necessidades básicas."




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