Setecidades Titulo Educação
Comunidade surda reivindica
direitos iguais de aprendizado

Deficiente auditivo defende escolas especializadas, enquanto
Ministério da Educação quer inclusão do aluno na rede regular

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
25/06/2012 | 07:00
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O  processo de aprendizado de estudantes com deficiência auditiva passa por novo período de debate no Brasil. Enquanto a comunidade surda e que tem Libras (Língua Brasileira de Sinais) como idioma materno batalha pelo direito de estudar em escolas bilíngues, o MEC (Ministério da Educação) defende inclusão dos alunos na rede regular de ensino.

A tentativa do movimento de direito dos surdos é afastar a velha sensação de que o deficiente auditivo é estrangeiro dentro de seu País de origem, tendo em vista a dificuldade de comunicação quando vai ao banco, ao médico ou registrar boletim de ocorrência. "Além do preconceito linguístico e cultural, os surdos sofrem com dificuldade do acesso às novas tecnologias", destaca a especialista em Educação Bilingue e Interpretação e Ensino de Libras, Neiva Aquino.

Na região, são pelo menos 330 estudantes surdos ou com deficiência auditiva, sendo cerca de 200 em EMEEs (Escolas Municipais de Ensino Especial) - que atendem alunos do Ensino Fundamental I e II (seis a 14 anos) de Diadema e São Bernardo. Os demais estudantes frequentam a rede de ensino regular, onde têm atendimento educacional especializado, instrutores e intérpretes dentro da sala e realizam atividades específicas, como curso de Libras e fonoaudiologia, no contraturno escolar.

Aqueles que defendem a inclusão entendem que as escolas especializadas não oferecem ambiente adequado para o aprendizado pleno. "Um local com recursos variados e convívio entre ouvintes e surdos é mais propício à educação do que lugar onde ficam isolados", destaca a coordenadora geral do departamento de Educação Especial de Mauá, Deigles Amaro.

Já a diretora regional da Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) em São Paulo, Sylvia Lia Neves, salienta que a inclusão deveria acontecer no segundo ciclo do Ensino Fundamental, quando a criança surda já adquiriu a língua de sinais e está alfabetizada em português pelas escolas bilíngues. A entidade pede que o direito da educação bilíngue - decreto 5.626/05 - conste no PNE (Plano Nacional de Educação), que tramita no Congresso desde dezembro de 2010.

Sylvia observa que secretarias estaduais e municipais tem estratégia de enfraquecer escolas de surdos para futuro fechamento das unidades. O ideal, segundo a Feneis, seria a possibilidade de as famílias escolherem entre as duas opções de educação. Exemplo disso pode ser observado em São Bernardo, quando, em maio, houve manifestação de pais de estudantes da escola Professora Neusa Basseto, contra possível fim das atividades da instituição de ensino. Na oportunidade, a prefeitura negou o boato.

Na mesma direção segue carta aberta encaminhada pelos sete primeiros doutores surdos do país ao ministro da Educação, Aloizio Mercadante. O texto destaca que ao contrário do que se rotula, as escolas bilíngues não são segregacionistas, mas considera segregadora atitude de impor que alunos surdos e ouvintes estejam no mesmo espaço sem que tenham mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento.

 

 

Comunicação intrafamiliar ganha destaque

Junto com a nova família, o autônomo José Antônio Bezerra, 27 anos, ganhou oportunidade de estudar Libras há cinco anos. Apesar de ser desejo antigo, o aprendizado da língua de sinais passou a ser necessário para melhorar a comunicação com o enteado, Vitor Henrique da Silva, 7, estudante do segundo ano do Ensino Fundamental na EMEE Olga Benário Prestes.

Depois que o aluno trocou a escola de ensino regular pela instituição de ensino bilingue, há um ano e meio, pode ser observada evolução no processo de alfabetização, destaca Bezerra. "Na pré-escola percebia que ele ficava um pouco perdido, mas agora o Vitor traz muita informação para casa e nos ensina. É uma troca", diz.

Após concluir curso básico de Libras na Feneis, Bezerra aguarda a abertura de fase intermediária para dar continuidade ao estudo. Segundo ele, é preciso dedicação, tendo em vista a dificuldade de aprender novo idioma. Ainda assim, o autônomo incentivou a esposa a participar das oficinas promovidas pela Prefeitura de Diadema. "É importante que a família participe e aprenda a língua materna deles para que a comunicação não seja apenas por mímicas e gestos errados em casa", comenta.

Mesmo sendo mais longe de casa, nem passa pela cabeça do jovem e do dedicado pai mudar o enteado de escola. "Minha vontade é que ele saia daqui para o Ensino Médio com base sólida para aprender e lidar com Libras e português".

 

Escola bilíngüe reforça ensino de Libras como língua materna

 

Comunicação em forma de sinais, seja nas paredes ou portas. Este é o cenário da EMEE (Escola Municipal de Ensino Especial) Olga Benário Prates, em Diadema. Além de reforçar a importância do aprendizado de Libras para garantir autonomia e comunicação dos 59 alunos surdos, a unidade de ensino proporciona convívio entre as pessoas com deficiência auditiva e 231 ouvintes.

A proposta, segundo a diretora da instituição de ensino, Liliane Leite Silva Jardim, é ajudar o estudante a construir identidade, a partir da convivência com outros alunos e professores surdos, além de administrar os dois idiomas ao mesmo tempo. "Sabemos que na rede regular o intérprete apenas traduz o que o professor fala. Por ele não ser educador, não ensina", observa.

A rotina escolar é idêntica a de unidade de ensino regular. Aulas com quadro negro, corre-corre na hora da merenda e até ensaios de dança para apresentação destinada aos pais pode ser observada.

Apesar de as salas de surdos e ouvintes serem separadas, atividades em conjunto garantem a integração entre estudantes. Para isso, ouvintes também recebem aulas de Libras, explica a educadora surda oralizada e instrutora de Libras, Adriana Moreira Oliveira Dias. "Os alunos ouvintes geralmente gostam de aprender, principalmente quando sentem necessidade, seja por vontade de se comunicar com amigos surdos ou até mesmo paquerar", destaca.

A professora de Educação Especial Ana Paula Ferreira ressalta que a participação dos pais é fundamental para que o aprendizado de Libras seja mais eficaz. "É uma nova língua e, por isso, difícil para a família aprender", comenta.

 

O encaminhamento de alunos para a unidade de ensino se dá pelos serviços de saúde ou até mesmo pela rede de educação. Os pais podem escolher se desejam que as crianças estudem na escola bilíngue ou sejam incluidas na rede regular de ensino. "Tem família que opta pela escola comum porque tem receio de que aqui a criança vai deixar de oralizar por causa da linguagem de sinais", observa a coordenadora do Serviço de Educação Especial de Diadema, Fabiana Leme.

Futuramente, de acordo com a coordenadora, a ideia é ampliar a oferta de vagas para a Educação Infantil, de acordo com a demanda. "Não há lista de espera. Percebemos que houve redução de pessoas surdas no município", acrescenta.




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