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Coisas da vida e da morte

Num maravilhoso tapete de 5m x 5m, na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, está bordado em fios de ouro

Carlos Brickmann
17/03/2021 | 00:23
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Num maravilhoso tapete de 5m x 5m, na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, está bordado em fios de ouro um poema do persa Saadi Shirazi (1216-1283). Um trecho, traduzido livremente: “Seres humanos são membros de uma união (um corpo)/Uma essência, uma alma na criação/Se um membro pela dor é arrastado/Todos os outros também são afetados/Você, que não sente a dor do outro,/Perderá o direito de chamar-se humano”.
Um dos maiores poetas de língua inglesa, o pastor anglicano John Donne (1572-1631), disse, no poema Meditação 17, traduzido livremente: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado. Todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa de teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer pessoa me diminui, porque sou parte do gênero humano. Por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
A morte de uma pessoa atinge todos os seres humanos, dizia o poeta persa no século XIII; a lamentação pela morte de alguém, o dobrar dos sinos, é uma tristeza de todos, diz o poeta inglês entre os séculos XVI e XVII.
Frases do presidente Jair Bolsonaro (sem partido): “Não sou coveiro”, “morreram, e daí?”, “todos vamos morrer um dia”, “não entendo essa ansiedade pela vacina”.
De um lado, tristeza pelas mortes. De outro, indiferença. Escolha.

O pensamento (morto)...
Mais uma frase do presidente da República, em diálogo com a dra. Ludhmila Hajjar. Descrição da cena: a dra. Ludhmila, médica de prestígio, foi convidada para uma conversa com o presidente sobre a pandemia. Chegou com dados, informações e forte embasamento técnico. O filho ‘03’ quis saber a opinião dela sobre armas. Ela informou que este é um problema da polícia, da segurança pública, não da saúde. Aí ele quis discutir o aborto. O presidente ‘000’ (pai do ‘03’) queria que ela endossasse a cloroquina como tratamento para a Covid. E, na pergunta sobre lockdown – fechamento de toda uma área, para impedir que a doença se alastre –, usou a seguinte frase: “Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me f... e eu depois perder a eleição, né?” Não podia dar certo, como não deu: a dra. Ludhmila querendo combater a pandemia que já matou quase 300 mil pessoas em nosso País e o presidente da República preocupado exclusivamente com sua reeleição.

...do bolsonarismo
A dra. Ludhmila disse ao presidente que medidas de distanciamento mais restritivas deveriam ser tomadas em situações extremas, em locais em que o número de doentes e de mortes o exigisse. Aí o general Pazuello invadiu a conversa: disse que seus dados eram diferentes e que os governadores estavam mentindo sobre a taxa de lotação das unidades de terapia intensiva. Louve-se o esforço do disciplinado general, que deve ter estudado na véspera o que era essa tal de terapia intensiva, mas Pazuello era um ministro da Saúde inacreditável, e a dra. Ludhmila não acreditou nele. Se o objetivo do governo era repetir os equívocos, com cloroquina e tudo, Pazuello estava bem na fita.
Mas nem mais Bolsonaro o aguentava. E logo arranjou outro ministro.

Dilma e Dilmo
A reforma administrativa coordenada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi, do MDB paulista, não foi aceita pelo governo. A reforma administrativa redigida pela equipe do ministro Paulo Guedes não foi aceita pelo governo (sim, o presidente Bolsonaro levou um ano para apresentar uma versão desidratada). Com pouquíssimos cortes nas despesas, os gastos com a pandemia, a desordem fiscal, a inflação ameaça ultrapassar em muito o teto fixado pelo Banco Central. Hoje, deve ser anunciada a primeira alta de juros desde 2015. Paulo Guedes, quem diria, repete Nélson Barbosa, que era o Guedes da época; e Bolsonaro retoma os aumentos de juros que tinham parado em 2015. Pois é: na época, a Bolsonara era Dilma Rousseff. E hoje, Bolsonaro faz o papel de Dilmo Rousseff.

Paz e Amor, o Retorno
Aparentemente, o ex-presidente Lula caminha para as eleições de 2022 com a seguinte visão do eleitorado: Bolsonaro domina a extrema-direita e a direita que, embora menos raivosa, não aceita de forma alguma ser ligada ao centro; do centro-direita à centro-esquerda, há um espaço vago; a esquerda e a extrema-esquerda são suas. Ganha quem avançar no espaço vago. E Lula se apronta para conquistá-lo. Tem dois exemplos a seguir:
a – Pepe Mujica, que foi dirigente dos guerrilheiros tupamaros, passou 14 anos na cadeia e disse que não guardava rancor no coração. Foi presidente e virou lenda viva.
b – Nelson Mandela, que passou mais de 20 anos na cadeia, saiu, chegou a presidente e tranquilizou os cidadãos brancos que o temiam. Virou lenda, ganhou o Nobel da Paz. Para Lula, não é preciso radicalizar nem xingar para buscar esses votos: em quem mais os radicais de esquerda iriam votar?  




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