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Em Ribeirão, médico escolhe pacientes que terão chance de lutar contra a Covid

Em colapso na saúde, coordenador do hospital de campanha envia aos leitos doentes com mais condições de se recuperar

Tauana Marin
Do Diário do Grande ABC
17/03/2021 | 00:09
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A falta de leitos frente ao número crescente de contaminados pela Covid tem levado a região ao colapso na saúde, principalmente em Ribeirão Pires, onde oito pessoas já morreram à espera de internação. Malek Mounir Imad, 33 anos, médico emergencista e coordenador clínico multidisciplinar do hospital de campanha da cidade, afirma que, neste momento da pandemia, escolhe qual paciente terá a chance de lutar pela vida.

“Sempre estou na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) para avaliar pacientes. Em Ribeirão Pires estamos escolhendo qual paciente terá leito (para tratar a Covid)”. O médico conta que alguns doentes admitidos no hospital levam quase um mês para se recuperar. “As pessoas chegam com 50%, 60%, até 90% do pulmão comprometido, necessitando de ventilação mecânica. Em média, seguem com o tratamento entre cinco E dez dias. Quando fazemos a extubação, o paciente pode ficar mais 20 dias no hospital. Não podemos liberá-lo automaticamente para casa. O processo do tratamento leva tempo e, em casa, o paciente segue precisando de cuidados.”

No hospital de campanha de Ribeirão Pires estão os casos considerados moderados e graves. Malek explica que na UPA há 18 pacientes “no tubo” improvisado pelas ambulâncias, situação que não é ideal, mas é o que se pode fazer diante da demanda de casos que necessitam de auxílio médico. “Pessoas com Covid têm descompensado cada vez mais rápido, em questão de horas chegam ao ponto de precisar de ventilação mecânica. Essa segunda onda chegou muito agressiva. A cada quatro pacientes entubados, dois vão a óbito. E o que vejo são pessoas cada vez mais jovens que necessitam desse aporte. Não é doença de idosos e de quem possui comorbidades. Ela tem acometido jovens e crianças e estamos perdendo esses pacientes.”

O hospital de campanha possui 41 leitos, sendo que 17 são de semiUTI. Do total, 35 estavam ocupados ontem e seis estão na chamada retaguarda. “Não posso ter 100% dos leitos ocupados por uma questão óbvia. Aqueles que têm alta vão para enfermaria e aqueles que pioram na enfermaria, são direcionados para a UTI. Esse fluxo é permanente, por isso, preciso ter alguns leitos para não deixar quem está na unidade sem atendimento”, conta o médico intensivista. Na UPA são mais 18 vagas provisórias, que deveriam ser de estabilização, mas, ontem, todas estavam ocupadas com pacientes Covid.

Nesta semana Malek precisou escolher, mais uma vez, quem ocuparia um leito de um homem que havia falecido. “O filho deste homem, 26 anos, também entubado, ocupou o lugar do pai. Outro caso que deixa um alerta é o de uma senhora de 76 anos que tomou a primeira dose da vacina e a família fez festa para comemorar. Conclusão, ela se infectou, está internada, entubada e em estado delicado. A população precisa entender a gravidade da doença, muitos ainda não acreditam, mesmo com tanta gente morrendo. Quem tomar a primeira dose não pode e não deve afrouxar os cuidados. É preciso que todos, idosos, pessoas com comorbidades, jovens, crianças, todos, se isolem, fiquem em casa. No início da pandemia o Ministério da Saúde falou em 90 mil mortes, hoje estamos chegando a 300 mil. O que é preciso para conscientizar? Não é hora para festas, casamentos, encontros. É hora de ficar em casa”, desabafa Malek.

Apesar de defender a vacina e entender a medida como importante pilar no combate ao coronavírus, o médico conta que, após tomar o imunizante, o corpo leva, ao menos, 15 dias para criar anticorpos. “A pessoa só estará segura após a segunda dose. Mesmo assim, enquanto houver essa situação crítica é preciso manter os cuidados, seguir o que a classe médica propõe, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e órgãos sérios da saúde. Não se deve ter como base o que algumas pessoas públicas, que deveriam dar o exemplo, têm demonstrado na pandemia. Estamos na linha de frente e vemos o quanto a doença destrói. Não é hora de bandeira política, precisamos de união para enfrentarmos a situação de calamidade.”

Outro ponto importante destacado pelo intensivista é o número de contaminados que são admitidos depois de tomar medicamentos que acreditam prevenir a Covid. “Não façam isso. Essas pessoas chegam mais debilitadas ao hospital”, clama o médico.

Coordenador do hospital de campanha desde a inauguração, em abril de 2020, Malek diz que a sensação é de impotência. “Antes de entubar um paciente pego em suas mãos e o encorajo, falando que vai dar tudo certo. E, de repente, essa vida se vai. Nada é mais valoroso que a vida. Na última quinta-feira, em menos de 12 horas perdemos quatro pessoas. A sensação que tenho é a de que estamos no meio de um furacão e que, lá na frente, vamos ver o tanto que ele levou e o quanto poderíamos ter evitado apenas seguindo as regras.” O médico conta que em Ribeirão Pires é comum policiais e a Prefeitura descobrirem locais cheios de gente burlando a lei. “Esses dias a filha de um paciente de 56 anos que perdemos contou que o pai não acreditava na doença e dizia que se a contraísse não teria problemas por ser atlético. A filha acredita que ele adquiriu a Covid por continuar frequentando e ministrando aula na academia, mesmo que clandestinamente.”

Baixas de outras doenças também preocupam

Além de se preocupar com a situação dos pacientes que lutam contra a Covid, o médico Malek Imad também lamenta os óbitos de pessoas que possuem doenças crônicas, que necessitam de atendimento, e que, por conta dos leitos ocupados por pacientes com a Covid, foram prejudicados.

“Exemplo de diabéticos, pessoas com problemas coronários, pacientes de AVC (Acidente Vascular Cerebral), além de intercorrências como pacientes com apendicite, todos casos graves, que estão vindo a óbito devido à pandemia. Esse é o grande colapso na saúde porque vai tomando proporção cada vez maior.”

Especialista criou ambulatório pós-Covid

Além de tratar os pacientes no hospital de campanha, o médico Malek Imad também acompanha a reabilitação dos doentes quando eles chegam em casa. Ele criou um ambulatório em Ribeirão Pires para atestar a evolução da doença. “Todas as segundas-feiras tento visitar esses pacientes Covid que tiveram alta. Além da fraqueza no corpo e sequelas físicas, a memória é algo bastante afetado, principalmente quando falamos de lapsos de memória recente.” Os “curados” da Covid enfrentam longo tempo de tratamento, sequelas da doença e que é chamada de “síndrome pós-Covid por” alguns especialistas.  




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