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'Copacabana' mostra cinema nacional maduro
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
15/07/2001 | 18:31
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Lugar de mulher é atrás das câmeras e lá vem Carla Camurati para provar isso mais uma vez. Copacabana, seu mais novo longa-metragem, é uma das boas novidades nas salas de cinema – lamentavelmente em nenhuma da região. Em plena forma, a cineasta conseguiu espantar o fantasma do terceiro filme e fez uma obra própria de autor amadurecido.

Há quem lamente sua debandada para a cadeira de diretor, pois à frente das câmeras essa loura carioca de 41 anos reluziu em papéis como a militante Patrícia Galvão em Eternamente Pagu e como Iara Iavelberg, a companheira de lençóis e armas do protagonista de Lamarca. Ainda assim, o cinema ganhou muito com a reviravolta profissional da beldade e Copacabana só endossa isso.

Carla se arriscou a cometer pecados bairristas ao fazer do filme um registro cartográfico do bairro carioca. Mas isso não aconteceu. A diretora emprega com sutileza os limites geográficos da trama e interpela a areia e as ruas de Copacabana ao estilo da relação Woody Allen/Nova York, evitando facilidades flagrantes para declarar seu amor à terra-mãe.

A solução eleita pela diretora para tirar o chapéu diante do bairro foi descortinar a intimidade e a história de Copacabana. Para tanto, usa a retina de Alberto, fotógrafo lambe-lambe que cresceu nas locações litorâneas do lugar. Seria difícil encontrar intérprete melhor para o personagem do que Marco Nanini, ator que bisa sua parceria com Carla – a estréia foi com o bufo Dom João VI em Carlota Joaquina.

Nanini lidera um elenco superlativo. Engraçadíssimas, Laura Cardoso e Walderez de Barros interpretam duas irmãs incompatíveis que trocam farpas: uma é aquela coroa caretona, reservada e que não engole a irmã metida a moderninha, paqueradora e apaixonada por Alberto. A lista de atores inclui ainda Myriam Pires, Maria de Sá, Felipe Wagner, Ida Gomes, Ilka Soares, Renata Fronzi, Louise Cardoso, Joana Fomm e o travesti Rogéria.

Todos se concentram para organizar uma festa-surpresa para Alberto, já na soleira dos 90 anos. O fotógrafo tem as raízes fincadas em Copacabana, onde chegou depois de ser abandonado pelos pais, ainda recém-nascido, às portas da Igreja de Nossa Senhora de Copacabana. É acolhido pela santa em pessoa, cujo culto no Rio começou quando mercadores espanhóis trouxeram, no século XVII, uma imagem da virgem de um vilarejo boliviano. A seqüência que mostra as origens da santa e do bairro – cujo nome significa “mirante do azul” – apara qualquer desconfiança sobre a identidade própria de Copacabana.

Antes das comemorações de seu aniversário, Alberto passa a rever toda a vida, alinhada a eventos históricos ambientados no bairro. Confundem-se tomadas coloridas e em preto-e-branco assim que o nonagenário recorda quando testemunhou, ainda criança, o Movimento dos 18 do Forte, em 1922, e a inauguração do Copacabana Palace, no ano seguinte. Na memória exposta, Alberto confunde o primeiro contato que teve com Miloca, o grande amor de sua vida, o sobrevôo do Graff Zeppelin e o passeio pela praia de um elefante fujão.

Copacabana é emocional, e nada exagerado. Confronta de forma perspicaz e hilariante os comportamentos da Velha Guarda do Rio e de travestis que dão batente a beira-mar. Comporta um humor que satiriza Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Em suma, é obra de gente grande, de gente que limpou o terreno para o cinema pós-Collor com Carlota Joaquina e consolidou a presença feminina na produção nacional desse setor. Estão aí Laís Bodansky, Tata Amaral, Lúcia Murat, Sandra Werneck e Eliane Caffé para provar.




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