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Entre a fé e as mandingas
Por Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
02/09/2010 | 07:02
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Porta de entrada para a maior floresta tropical do planeta, o Pará instiga os sentidos de qualquer visitante, seja pelo paladar peculiar de pratos como o pato no tucupi e o tacacá, seja pelo ritmo envolvente do carimbó, o colorido dos guarás, o perfume das frutas no Ver-o-Peso ou, ainda, pelo constante calor, que faz qualquer um procurar a sombra de uma mangueira. Para completar esta efusão sinestésica, acrescente o toque do calor não só climático como humano, vindo de um povo religioso, sempre pronto para acolher o turista da melhor maneira possível e, quem sabe, até despertar outros sentidos por meio de mandingas e poções preparadas com plantas amazônicas que as índias garantem ter poderes mágicos. Seja lá qual for o motivo, atrativos não faltam para se visitar o Estado.

Embora ainda pouco destacado nos catálogos das principais agências de viagem do País, o Pará tem muito a oferecer ao visitante. Especialmente nesta época do ano, quando são realizados os dois mais importantes eventos do seu calendário: a Festa do Sairé, que começa no dia 13 em Santarém, e o tradicional Círio de Nazaré, que arrasta mais de 2 milhões de fiéis às ruas da capital Belém em meados de outubro.

PAZ
Procissões à parte, quem visitar a Cidade das Mangueiras no próximo mês também poderá conferir os acordes da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz.

Erguido em 1874 como símbolo da opulência nos períodos áureos do Ciclo da Borracha, o pomposo teatro, com capacidade para cerca de 900 pessoas, abrigou a primeira apresentação de Arthur Moreira Lima, aos 9 anos, além de receber vários cantores líricos de renome na Europa.

Com ou sem espetáculos, sua arquitetura em estilo neoclássico, inspirada no Teatro Scala de Milão, com pinturas de seres da mitologia grega misturados a temas da Amazônia, já oferece motivos de sobra para uma visita, mesmo que breve.

A capital, aliás, é pródiga em construções históricas e museus que proporcionam ao turista uma verdadeira viagem no tempo, desde a descoberta de objetos esculpidos por civilizações primitivas há milhares de anos até a fundação de Belém pelos portugueses, em 1616.

Somam-se a isso os traços peculiares da gastronomia, do folclore e do artesanato de um povo singular, que confere a Belém o apelido de Cidade Morena devido à miscigenação entre colonizadores lusitanos e índios tupinambás.

Com quase 1,3 milhão de habitantes, o município apresenta dois terços de seu território tomados por ilhas: 55 no total. Entre elas, a do Mosqueiro, que tira qualquer dúvida de quem pensa que rios não possam ter ondas, com 14 praias fluviais de maré agitada, algumas indicadas até para o surfe.

De lá, bastam mais alguns quilômetros de barco para se alcançar a lendária Marajó: outro recanto deslumbrante que faz qualquer ecoturista inflar os pulmões para engatar a primeira estrofe do hino estadual sem qualquer exagero ufanista: "Salve ó terra de ricas florestas, fecundadas ao sol do Equador, teu destino é viver entre festas, do progresso, da paz e do amor".

CÍRIO DE NAZARÉ
No início de outubro, o Pará literalmente para em nome da Virgem Maria. Nem pense em visitar a capital, Belém, sem antes reservar hotel para o período. Até a pousada menos conhecida fica lotada meses antes. É quando uma multidão de fiéis toma conta das principais ruas de Belém para participar de um dos maiores eventos religiosos do mundo: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

Os motivos que levam 2,5 milhões de pessoas a disputar cada centímetro quadrado das vias públicas da capital para acompanhar a procissão são inúmeros: fé, devoção, agradecimento a graças alcançadas, pedidos de cura, casa própria, casamento, emprego, aprovação em concursos... Mas seja qual for a intenção, um mesmo pensamento une a todos: o de adoração à padroeira de Belém.

Os números são proporcionais ao tamanho da fé. Segundo dados do governo do Estado do Pará, o número de empregos formais costuma crescer 30% durante os dias de procissão. Neste ano, as homenagens começam no dia 7, quando uma romaria fluvial composta por mais de 600 embarcações partirá da Vila de Icoaraci às 8h, levando a imagem da santa a bordo, até alcançar o cais em frente à Estação das Docas. No mesmo dia, a partir das 18h, haverá o cortejo conhecido como trasladação da capela do colégio Gentil Bittencourt até a igreja da Sé. É de lá que partirá, às 6h do dia seguinte, a grande procissão do Círio rumo à basílica de Nazaré.

O trajeto, de cinco quilômetros, costuma levar de quatro a seis horas para ser concluído, conforme o ritmo dos devotos. Tempo, aliás, que pode parecer curto aos que assistem e longo àqueles que se dispõem a acompanhar a procissão carregando gigantescas cruzes de madeira nas costas como forma de pagar promessas. Até para o mais ateu dos espectadores, fica difícil não se emocionar diante da imagem de pés ensanguentados, bocas secas a clamar por água, crianças assustadas e macas com pessoas desmaiadas passando sobre os rostos suados da multidão. Vez ou outra, uma lata de refrigerante é passada de mão em mão sobre as cabeças para matar a sede dos devotos agarrados à corda.

HISTÓRIA
Tudo começou quando um pescador encontrou uma imagem de Nossa Senhora e decidiu levá-la para casa. Diz a lenda que, por várias vezes seguidas, a estátua sumiu da residência e reapareceu, milagrosamente, no local onde havia sido encontrada. Diante da insistência da padroeira, foi erguida uma basílica no lugar e uma enorme romaria passou a reconstituir o caminho feito pelo pescador.

A primeira procissão data de 1793, com o transporte da imagem em um carro de boi. A berlinda e sua corda surgiram apenas em 1855, quando fiéis utilizaram a corda de uma embarcação para vencer o atoleiro provocado pelo transbordo da Baía de Guajará.

A ‘moda' pegou e, hoje, a corda de 400 metros e meia tonelada constitui um dos principais símbolos do elo entre a Virgem e os fiéis, que se acotovelam, descalços, para ter o privilégio de, pelo menos por alguns instantes, conseguir puxar a corda, formando um autêntico cinturão humano em torno da berlinda.

 




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