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Desenhos cruzados

Gigante da arquitetura brasileira, Paulo Mendes da Rocha assinou obras históricas no Grande ABC

Raphael Rocha
30/05/2021 | 07:13
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Celso Luiz/DGABC


O crescimento urbanístico do Grande ABC tem a digital do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Morto no domingo passado aos 92 anos, um dos mais renomados profissionais da área no mundo iniciou a construção de sua carreira na esteira da transformação da região no começo da segunda metade do século passado.

Paulo Mendes da Rocha se formou na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1954. Três anos depois, ganhou concurso para projetar o ginásio do Clube Atlético Paulistano. Mas, até então, buscava seu espaço em um mercado que se consolidava em São Paulo.

Ao mesmo tempo, o Grande ABC colhia os frutos da chegada da indústria automobilística. Com mais dinheiro em caixa e com migração de pessoas em busca de empregos de boa remuneração nas empresas, as prefeituras tentavam ingressar na modernidade. Foi então que os desenhos de Paulo Mendes da Rocha se cruzaram com as ruas da região.

Entre 1960 e 1963, Lauro Gomes de Almeida foi prefeito de São Bernardo e designou uma equipe responsável pela constituição de projetos para elevar a então provinciana cidade à condição de município referência em urbanismo. No time estavam dois funcionários que virariam referência à arquitetura paulistana: Jorge Bomfim e Toru Kanazawa – eles foram projetistas do Paço, inaugurado em 1965.

O mesmo grupo apostou em traços arquitetônicos modernos para unidades de educação de São Bernardo. Paulo Mendes da Rocha, jovem arquiteto com fama em construção em São Paulo, foi convidado a desenhar estruturas escolares para o município. A Emeb Gofredo Teixeira da Silva Telles, no Baeta Neves, foi o primeiro colégio com projeto assinado por Mendes da Rocha, em 1967.

“Meu pai chamou alguns colegas dele porque São Bernardo tinha dinheiro para investir. O núcleo da Prefeitura que ele trabalhava como funcionário era demandado. Ele fez o Paço, mas convidou outros para obras viárias, escolas, complexos esportivos. O Paulo Mendes da Rocha, que conheci por meio do meu pai, esteve numa lista de grandes nomes da arquitetura paulistana que passaram por São Bernardo, como Paulo Bastos (que restaurou a Catedral da Sé) e o Decio Tozzi (que assinou o projeto de pavilhão no Parque Villa-Lobos). Os anos 1960 e 1970 foi o boom da arquitetura moderna paulistana”, relembra André Bomfim, filho de Jorge Bomfim.

Em 1969, Paulo Mendes da Rocha voltou a São Bernardo, desta vez para desenhar o então grupo escolar do bairro Taboão (atual Emeb Professor Ramiro Gonçalez Fernandes). No perfil do colégio no Facebook, a morte do arquiteto foi lamentada. “Um dos maiores nomes da arquitetura mundial, Paulo Mendes da Rocha tem algo que liga sua obra e a comunidade do Taboão, em São Bernardo. Nem todos sabem, mas o prédio do segundo grupo escolar do Taboão, que hoje abriga a Emeb Professor Ramiro Gonçalez Fernandes, foi projetado por Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro. Ficam aqui nossas homenagens, e um momento de resgate da história de nossa escola. O artista vai, mas está presente em suas obras. Quanto a nós, somos agraciados por poder ensinar nossas crianças em um local de tão importante história e origem, desde o desenho de suas linhas.”

Três anos depois da inauguração do colégio no bairro do Taboão, Paulo Mendes da Rocha viu inaugurado o núcleo de educação infantil do Jardim Calux – hoje, a Emeb Aluisio de Azevedo. “Hoje falamos em Paulo Mendes da Rocha, mas ele não tinha projeto (quando foi contratado em São Bernardo). Quem contratava arquiteto moderno? Era difícil. Hoje vemos arquitetura neoclássica na cidade”, citou André Bonfim.

A história de Paulo Mendes da Rocha com o Grande ABC volta a se cruzar três décadas depois da última obra na região. O arquiteto foi requisitado pela equipe que pensava o Eixo Tamanduatehy, programa de modernização urbanística de Santo André que tinha Enio Moro Júnior como um de seus mentores. Moro havia sido aluno de Paulo Mendes da Rocha na USP (Universidade de São Paulo) nos anos 1970 e não pestanejou em recorrer ao mestre para vislumbrar algumas soluções para a cidade.

A ideia tirada foi a Sabina Escola Parque do Conhecimento, um centro educacional revolucionário. Era fim dos anos 1990, começo dos anos 2000, gestão de Celso Daniel. O plano inicial era erguer o equipamento no terreno onde hoje está instalada a UFABC (Universidade Federal do ABC), com ligação, via passarela, com o então Parque Duque de Caxias, na região central – o parque foi rebatizado em homenagem ao ex-prefeito petista. Não houve avanços e, então, escolheram outra área para a Sabina: o Parque Central, Vila Assunção.

A Sabina serviria para revitalizar também a comunidade da Gamboa, favela hoje urbanizada. “Ele entendia que o projeto tinha de reorganizar todo parque, integrar uma favela que existia ali perto. As ideias iniciais partiram para isso. Era projeto genial, fantástico. O resultado da Sabina foi um projeto premiado”, lembra Moro. O arquiteto, hoje professor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), citou que Mendes da Rocha ainda sugeriu que Santo André tirasse os gradis da Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André) e instalasse cinemas ao ar livre, propostas que não foram para frente. “Ele deixa legado. Onde a gente, pobres mortais, via problema, ele enxergava soluções fantásticas”, diz o pupilo sobre o mestre, um dos dois brasileiros a ganhar o Pritzker, o Nobel da arquitetura. 




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