Turismo Titulo Em Tiradentes
Becos eram destinados
apenas para os escravos
Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
09/01/2020 | 07:16
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Ari Paleta/Divulgação


Os becos de Tiradentes possuíam, basicamente, três funções. Uma delas era o eixo da servidão, para desviar escravos das vias principais. Outra, era dar acesso às partes de trás das casas, uma vez que negros jamais entrariam pela porta da frente para trabalhar. O terceiro, e mais triste deles, era que no século XVIII não havia esgoto nas casas, e os becos faziam as vezes de depósito de esgoto. As fezes e urinas ficavam em vasos de louça ou madeira do lado de fora da casa. O escravo os levava nos ombros e caía, por isso diziam que ficavam ‘enfezados’.

Além das humilhações em suas tarefas diárias, os escravos tinham como base alimentar basicamente angu (fubá, água e sal). No entanto, havia em abundância – e há, até hoje – planta chamada ora pro nobis, que se assemelha à couve, mas possui 25% de proteína, tanto que era chamada, antigamente, de carne dos pobres. Como os padres não deixavam eles colherem, durante a ladainha da missa a ora pro nobis (orai por nós, na tradução do latim), que demorava bastante, eles aproveitavam para colhê-la. Foi daí que surgiu a expressão ‘tem caroço nesse angu’, que era quando colocavam a planta na refeição ou quando sobrava torresmo e carne e eles escondiam.

Diante das dificuldades, os escravos eram craques em esconder algo para si, a fim de ter algum benefício em vida. Eles tinham estratégia para roubar ouro e comprar sua carta de alforria ao esconder na crina da égua ou da mula, ou na argila usada para tapar ferimentos dos animais, pedras preciosas. Quando, no fim do dia, faziam a limpeza do animal, as retiravam. Foi de onde surgiu a expressão ‘lavar a égua’.

Os já alforriados ficavam no Largo das Forras – por isso o nome – vendendo peças de cerâmica e artesanato para tropeiros que por ali passavam pela Estrada Real. Hoje, o local é o principal ponto de partida para explorar a cidade, seja a pé ou de charrete, bem tradicional por ali, cujo passeio custa de R$ 50 a R$ 120. No seu entorno, estão diversos restaurantes, bares e charmosas lojas de lembrancinhas.


Foi na cidade que teve início a Inconfidência Mineira

Em Tiradentes, o ouro foi encontrado em 1702, onde há capela em homenagem a Santo Antônio do Canjica – as pepitas de ouro eram do tamanho de grãos de milho, por isso o nome. Trata-se da primeira igrejinha do local, e o então arraial foi se desenvolvendo ao redor, e depois se tornou Vila de São José e, por fim, Tiradentes. “Característica das cidades históricas era que, conforme o arraial se desenvolvia, a capelinha era transportada ao ponto mais alto do local”, explica guia turístico Fabrício Rodrigues.

A Igreja, naquela época, não tinha só poder espiritual, mas principalmente político. Então o fato de a matriz estar no local mais alto era forma de dominação sobre o arraial naquela época. A Santo Antônio de Pádua pertencia ao grupo social chamado de ‘homens bons’, que, para Portugal, eram os homens brancos e ricos que geravam impostos para a Coroa Portuguesa.

“O problema é que em 1705 já tínhamos mais de 50 mil pessoas em Minas Gerais querendo ficar rica da noite para o dia e não pensando em prover alimentos para a população. Então, a crise de fome foi intensa. Uma galinha que custava 140 réis em São Paulo, em Tiradentes era vendida a 4.000 réis. Daí a expressão ‘galinha dos ovos de ouro’.”

Outro ponto importante é que de tudo o que era extraído no País, 20% pertenciam a Portugal, e quem sonegasse era severamente punido, por isso a cobrança ficou popularmente conhecida como o ‘quinto dos infernos’. Para reduzir perdas, a Coroa resolveu fundir o ouro, transformando-o em barra, mas para burlar a lei, as pessoas o guardavam dentro de imagens de madeira, o que originou a expressão ‘santo do pau oco’. Em 1750, a cobrança veio mais forte e os 20% deveriam atingir pelo menos 1.500 quilos de ouro e, se não chegasse a isso, os militares tomavam posse dos bens mais valiosos dos ricos. Foi exatamente o que motivou a Inconfidência Mineira.

O movimento, que tinha reuniões na casa do padre Toledo, acabou em oito dias porque um dos inconfidentes, Joaquim Silvério dos Reis, devia muito dinheiro e negociou informações em troca de suas dívidas com a Coroa. Com isso, Tiradentes – que nasceu em 1746 em Ritápolis (cidade vizinha), ficou órfão aos 11 anos e passou a viver com seu padrinho na cidade que passou a levar seu nome, que o ensinou o ofício de dentista, e depois foi morar no Rio de Janeiro –, que então era alferes (patente de aspirante a tenente), ativista e levava as informações aos inconfidentes. Por ter sido o único que não negou a participação, ficou três anos aguardando julgamento na Ilha das Cobras, no Rio, e em 21 de abril de 1972 foi levado ao Largo da Lampadosa, atual Praça Tiradentes, onde foi enforcado e esquartejado a machado.

Partes de seu corpo foram distribuídas pela Estrada Real e sua cabeça foi exposta em Ouro Preto. Até sua quinta geração foi declarada infame. Ninguém podia falar que era parente dele que era perseguido. Sua casa na cidade foi destruída e, o chão, salgado, para não nascer mais mato. Antes de morrer, ele disse: “Seja feita a vontade de Deus. Mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria pela libertação da minha Pátria”.

Herança do movimento é o lema da bandeira do Estado de Minas Gerais, composto por triângulo vermelho em fundo branco e pelos dizeres Libertas quae sera tamen, que significa, na tradução do latim, Liberdade ainda que tardia.
 




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