Setecidades Titulo Lá no meu bairro...
Família Alves mantém bar e táxi na Vila Alpina

Parentes vieram da cidade de Pedro II, no Piauí, e tocam o famoso Bar do Carlinhos, além do transporte

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
27/12/2014 | 07:00
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


A Vila Alpina, em Santo André, é um bairro conhecido pelos pequenos comércios familiares. O Bar do Carlinhos não é diferente. A família Alves chegou da cidade de Pedro II, no Piauí, em 1993, com o sonho de arrumar emprego e melhorar de vida.

O pai Antônio Luiz Alves, 65 anos, encontrou trabalho como pedreiro no Jardim do Estádio. Foi junto a ele que os irmãos Raimundo, 43, e Carlos Uchoa Alves, 44, começaram a trabalhar como assistentes nas obras. “Quando a gente fez 18 anos, lá no Nordeste, se desesperou porque não tinha trabalho. Viemos para cá com o meu pai procurar o que fazer. A gente não escolhe, o que vem primeiro a gente faz. O começo é bem difícil”, afirmou Raimundo, conhecido como Deco.

Depois de alguns meses, ele começou a trabalhar como operário. Cinco anos depois, foi demitido por causa da crise econômica na década de 1990, em razão do Plano Collor. “Apesar de ter sido mandando embora, recebi indenização. Foi quando vi a minha chance de mudar de vida e acabei comprando um táxi. Até pensei em voltar para o Piauí, mas conclui que ia acabar gastando todo o meu dinheiro”, disse.

O irmão Carlos passou pela mesma situação na época, em outra empresa. Foi quando decidiu comprar um bar. O negócio dos dois acabou caminhando em conjunto, de forma que o ponto de táxi está localizado em frente ao Bar do Carlinhos. “Como todo mundo conhece a gente, fica mais fácil. O pessoal vem, toma uma cerveja e, se fica alto demais, levo para casa. É bem mais seguro”, afirmou Deco.

Hoje, depois de tantos anos de luta, ele tem um único arrependimento: não ter estudado. Deco contou que na cidade natal só havia escola de Ensino Fundamental. “Cheguei aqui e tive a oportunidade de fazer supletivo, mas queria cursar mesmo uma faculdade. Gostaria de ser engenheiro civil.”

Os seis irmãos da família moram em Santo André e todos conseguiram casa própria. “Mesmo estando bem, nossa maior vontade é voltar. Aqui é ótimo para ganhar dinheiro, mas todo mundo sente falta das origens.”

O patriarca da família, que já está aposentado, divide-se entre o Nordeste e o Sudeste. “Aqui já foi bom para mim, mas é lá que encontro sossego”, afirmou seu Antônio.

Para quem ainda está passando dificuldades, o taxista, que também cuida do bar do irmão, tem uma dica. “Precisa de cabeça forte porque você vai ganhar um salário mínimo e um traficante vai te oferecer mais de R$ 1.000. Mas o caminho do bem é o único que leva a algum lugar.”

Prático de farmácia atua há 30 anos

Gilberto Araújo, 54 anos, é conhecido por todos que vão até a drogaria da Vila Alpina em busca de remédios. Ele é prático de farmácia, responsável por desvendar as receitas médicas para fornecer os medicamentos aos pacientes.

No ofício há 30 anos, ele explica que a profissão é diferente do farmacêutico. “Antigamente era tudo igual. Inclusive, se alguém sentisse alguma dor, o prático também indicava remédio. Mas hoje as coisas estão mais rigorosas. Entender letra de médico, por si só, já é bem difícil”, explicou.

Apesar disso, ele acredita que a mudança é benéfica aos pacientes. “O farmacêutico fez uma faculdade, então, está mais capacitado e tem teoria para dar certas orientações. O prático aprende no balcão mesmo e deve ser responsável apenas pelo atendimento.”

Ele afirma que atende, em média, 100 pessoas por dia. Durante a entrevista, moradores passavam pela rua e o cumprimentavam. “A gente acaba fazendo muitos amigos e conhecidos no bairro. Os que mais se cuidam são os que vivem mais”, disse.

Em relação à automedicação, prática comum do brasileiro, ele diz que as pessoas acabam comprando o que passa nos comerciais da televisão. Mesmo que ele ofereça opção de remédio com o mesmo composto, diz que as pessoas preferem o de nome.

“Eu não vejo TV porque não gosto. Mas aqui é assim, se passou um comercial, as pessoas vão comprar”, disse.

Mesmo com a rotina pesada, Araújo não pensa em se aposentar. “A gente trabalha 12 horas por dia, um fim de semana sim e outro não, sem Natal e Ano-Novo, mas gosto muito do que faço.”

Chaveiro e ferramenteiro nasceu e cresceu no bairro

O ferramenteiro Gerson Gonçalves, 63 anos, nasceu e cresceu na Vila Alpina. Há 15 anos ele decidiu se tornar chaveiro e abrir comércio na garagem de casa.

Segundo ele, que sempre trabalhou na indústria automobilística, a atividade é um hobby, mas também uma necessidade. “Eu me formei no Senai e fui ferramenteiro a vida toda. Só que chega uma certa idade que você começa a ser descartado pelo mercado de trabalho.”

Aproveitando que é conhecido em todo o bairro e também a própria experiência, decidiu ser chaveiro. Para isso, utiliza ferramentas que manuseou durante toda a sua vida.

Ele também afirmou que sempre gostou de chaves. Tem até uma coleção com exemplares curiosos. “Tenho coisas aqui da década de 1920 e 1930, por exemplo. As chaves costumavam ser menos trabalhadas, e a mais rara que possuo é uma que abre uma república estudantil no Rio. Ela é torta, totalmente diferente. Eu cheguei a ter uma da época das senzalas, mas um colecionador me encheu tanto, que acabei doando para ele”, disse.

Seu Gonçalves também coleciona histórias engraçadas. A que ele mais se orgulha de contar é de quando foi chamado para abrir a porta de um carro, um Chevette, que emperrou. “Quando cheguei lá e destravei a porta, disse que era R$ 15. Aí o cara me chamou de ladrão e disse que não ia pagar. Eu fechei a porta e travei de novo.”

Depois que fez o serviço pela segunda vez, ele conta que cobrou R$ 30. Depois de muitas lamentações, acabou fechando por R$ 20. “Imagina, eu trabalhando e o cara me chamando de ladrão? Acho que ele não faz isso com mais ninguém depois dessa”, disse.

Feliz e tendo a pescaria como principal atividade nas horas vagas, ele não pensa em se aposentar. “Gosto daqui, quero continuar trabalhando por anos e anos.”  




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;