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Burocracia deixa pesqueiros da região na ilegalidade
Sucena Shkrada Resk
Do Diário do Grande ABC
22/11/2004 | 09:06
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O Grande ABC tem um número estimado de 140 pesqueiros, que geram 600 empregos e um faturamento de R$ 300 mil por mês. Apenas seis estão em processo de licenciamento. O único totalmente regularizado demorou cinco anos para obter todas as licenças. A maior dificuldade dos proprietários é desatar o nó burocrático, exigido pelos diversos governos (federal, estadual e municipal) e trabalhar dentro da legalidade.

Essa foi a conclusão de uma pesquisa, feita pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que realizou um levantamento no primeiro semestre deste ano para conhecer um pouco mais sobre a atividade. Dos 140 pesqueiros existentes, o Consórcio entrevistou 40 proprietários e a conclusão da pesquisa reflete uma realidade que ninguém parece capaz de mudar no Brasil: os empreendedores encontram empecilhos demais para conseguir trabalhar dentro da lei.

Os proprietários de pesqueiros entrevistados estão em Santo André, São Bernardo, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A principal queixa, apontada por eles, é a profusa documentação exigida. Cerca de 58% dos donos ouvidos pelo Consórcio disseram que deram entrada na documentação, mas não conseguiram completar as exigências.

São exigidos, entre outros papéis, a escritura definitiva do imóvel (a maioria não tem), a construção de fossas sépticas e um detalhe, quase inacreditável: a Junta Comercial não tem a categoria “pesqueiro” na relação de atividades. Washington Henrique dos Santos, 25 anos, proprietário do Pesqueiro Recanto do Mineiro, em São Bernardo, afirma que não conseguiu obter registro na Junta Comercial. “Tive de abrir a firma como bar e lanchonete.”

O comerciante José Gongaza de Assis, 52 anos, de Ribeirão Pires, teve tantos problemas com a fiscalização que foi obrigado a encerrar as atividades, depois de seis anos de trabalho. “Decidi fechar o negócio. Despedi quatro funcionários. Não podia mexer no tanque, que era multado.”

O sócio-proprietário do Pesque-Pague Carequinha, de Santo André, Marcos Antônio Marocci, 45 anos, também reclama da burocracia. “Estou há dois anos no ramo e parte da documentação para legalizar o negócio tramita na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, desde 2000, quando havia um outro proprietário.” Marocci diz que as adequações sanitárias nem são tão complicadas. “Sou a favor da preservação, mas contra burocracia. Afinal, geramos empregos.”

Exceção – A pesquisa do Consórcio Intermunicipal demorou, mas acabou descobrindo um pesqueiro legal. Trata-se do Pesk-Ville, de Mauá. Seu proprietário, Márcio Yoshiyuki Shirano, sofreu muito, mas conseguiu obter todos os licenciamentos ambientais exigidos para o funcionamento da atividade, depois de cinco anos de briga com a burocracia. “Contratei até um técnico para me ajudar com a papelada. Tive mais facilidade, porque a escritura do meu imóvel era definitiva.”

Ele acha que, depois de tanto sacrifício, não valeu a pena. Mensalmente, Shirano gasta R$ 2 mil em taxas, tributos e obrigações trabalhistas. “Nem sempre o faturamento mensal cobre as despesas, principalmente nos meses de inverno quando cai a freqüência.” Ele diz que se sente inferiorizado em relação aos colegas não-regularizados. “Eu gasto muito em impostos e até agora não vi vantagem em trabalhar com tudo legalizado.”

Shirano afirma que faltam incentivos para a atividade. Ele reivindica isenção do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), por preservar 75% de sua propriedade, como manda a legislação. “Pago R$ 11 mil por ano”, reclama.

Dos 50 estabelecimentos de pesca esportiva levantados pela pesquisa do Consórcio, seis estavam desativados, três em reforma e um havia sido fechado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente por não atender às determinações ambientais.

As prefeituras parecem ter despertado para a necessidade de desburocratizar o sistema. Por isso, farão uma reunião, ainda sem data definida, com representantes do Ibama e da Secretaria Nacional da Pesca. “Precisamos fazer um enorme esforço para desburocratizar a legislação”, reconhece o assessor da presidência do Consórcio, Marcos Bandini.

Legalização – Não existe uma licença temporária para o pesqueiro funcionar, enquanto a legalização não sai. Para estar de acordo com a lei, o caminho é longo, tortuoso, um labirinto de autorização e licenças.

O proprietário do pesqueiro precisa se submeter a uma floresta de siglas de diversos órgãos. São pelo menos quatro da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, além de cadastro e alvará em outras instâncias de governo (federal e municipal).

Preste atenção na profusão de siglas. Pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente é necessário conseguir licenças na Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), DPRN (Departamento de Proteção dos Recursos Naturais), Dusm (Departamento de Uso do Solo Metropolitano) e DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

Depois disso é só ir para a pescaria? Nada disso. O caminho é longo.

É preciso ainda fazer cadastros em dois órgãos federais: Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) e Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca. Sem esquecer que a atividade necessita de alvará de funcionamento, fornecido pela Prefeitura.

Suspensão – Caso acredite que pode vencer a burocracia e abrir o seu pesqueiro, esqueça. Há um ano, o DPRN não aprova novos pedidos. O órgão estadual aguarda uma resolução federal sobre o assunto.

A resolução está sendo preparada pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), que pretende regulamentar atividades de baixo impacto ecológico, como pesqueiros e açudes. A assessoria de comunicação do Conama informou que a resolução vem sendo discutida pelo órgão, desde 2002, devendo passar em dezembro pela área jurídica do Conselho.

Em seguida será encaminhada à votação por um plenário formado por 108 conselheiros (representantes das esferas municipal, estadual e federal, além do setor produtivo). Caso seja aprovada, será publicada no Diário Oficial da União e terá efeito de lei a partir de janeiro de 2005.

Fiscalização – Cabe à Polícia Ambiental, ao DPRN (Departamento de Proteção dos Recursos Naturais), ao Dusm (Departamento de Uso do Solo Metropolitano) e às prefeituras fiscalizarem os pesqueiros.

Os órgãos ambientais e as prefeituras explicam que não fecham as portas (ou porteiras) dos pesqueiros ilegais por falta de recursos humanos (não têm pessoal suficiente para a fiscalização). O diretor do DPRN, Alexandre Pereira Cavalcanti, contabiliza um único fiscal do órgão que ele representa para atender o Grande ABC e relaciona outros seis fiscais a serviço do Dusm, número visivelmente insuficiente para atender uma região de 85 km².

Além da escassez de fiscais, existe também o receio de provocar ainda mais desemprego na região, matando o turismo ainda incipiente no Grande ABC. Esse é o caso da Prefeitura de Ribeirão Pires. O município entende que a melhor solução para os nove pesqueiros ilegais da cidade não é o fechamento, mas buscar caminhos para a regularização. A Prefeitura explica que os pesqueiros são atrativos, do ponto de vista turístico, e também fonte geradora de recursos. No entanto, não explica como “busca caminhos para a regularização”.

Em São Bernardo, a política municipal relativa aos pesqueiros é semelhante à de Ribeirão Pires. A Secretaria de Meio Ambiente sabe que existem 27 pesqueiros ilegais, mas optou por manter os locais abertos, fazendo o controle sanitário da atividade e reduzindo o impacto ambiental negativo.

Propostas – Em maio do ano passado, durante o Seminário Novos Rumos para a Pesca no Grande ABC, realizado em Ribeirão Pires, havia a proposta de pressionar os pesqueiros para que eles legalizassem suas situações. Foi sugerido até a criação de um selo de qualidade, como incentivo ao turismo e empregabilidade. Até agora, não aconteceu nem uma coisa, nem outra.




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