Setecidades Titulo Saúde
Caps da região tratam vício em medicamentos

Serviço gratuito ainda é pouco procurado pela população; apenas Santo André e São Caetano têm demanda

Por Natália Fernandjes
31/07/2017 | 07:00
Compartilhar notícia
Denis Maciel/DGABC


 Passava das 14h30 de uma quarta-feira quando a educadora infantil da rede municipal de São Caetano M.M.F., 50 anos, entrou apressada no Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), localizado no Centro da cidade, para participar de terapia em grupo. Embora o ambiente seja frequentado massivamente por ex-usuários de entorpecentes, como cocaína e crack, ou de bebidas alcoólicas, a dependência química que levou a munícipe ao espaço não é ilícita, tampouco condenada pela sociedade. Pelo contrário, o uso de medicamentos é largamente propagado pela indústria farmacêutica e até por médicos.

“Tudo o que o ser humano quer hoje em dia é dormir, desligar-se dos problemas”, considera a educadora infantil. E para conseguir seu objetivo, depois de um dia estressante de trabalho, que pode ser agravado por problemas familiares, é comum que o indivíduo busque se “desligar do mundo” com a ajuda de remédios. “Não tinha condições de pagar psiquiatra, então procurei um clínico geral para falar sobre as crises de ansiedade, de pânico e depressão, que começaram após término de um noivado. Ele me receitou o famoso Rivotril.”

À princípio, lembra a paciente, o remédio – da classe dos benzodiazepínicos, responsável por causar leve inibição do sistema nervoso central e, com isso, oferecer ação sedativa, relaxante muscular e tranquilizante – foi tudo o que ela precisava. “Tomava três gotas por dia antes de dormir e quando sentia a crise de ansiedade se aproximar. Conseguia dormir tranquilamente”. Passados os três meses de prescrição do medicamento, ela se esforçou para pagar consulta particular com psiquiatra para dar continuidade ao “tratamento milagroso”. No entanto, diante da negativa do profissional, que, inclusive determinou que ela parasse com a medicação, a alternativa foi recorrer ao mercado negro. “É um comércio grande e de fácil acesso sem receita.”

Depois de quase seis meses de uso do Rivotril, os efeitos benéficos do produto passaram a dar lugar às crises de abstinência. “Você fica sonolento, porque não consegue descansar durante o sono. Passa a ter bruxismo (ranger involuntário ou forte apertar dos dentes), pesadelos, rigidez muscular. Quando a crise de ansiedade vem, a pressão arterial é elevada, você tem falta de ar, dor no peito. E aí o efeito passa a não ser mais o mesmo. Você precisa de algo mais forte, cheguei a tomar Dormonid (usado para levar ao sono e também como pré-medicação para indução de anestesia)”, detalha a educadora infantil.

Os sintomas da dependência química, entretanto, não eram notados pela munícipe de São Caetano, que chegou ao Caps em busca de tratamento com psicólogo há cerca de um mês. “Logo na primeira sessão, a assistente social aplicou testes e, quando percebi que estava com dificuldade de responder, fiquei assustada. O uso prolongado me deixou com a fala lentificada e com perda de memória recente. Assim que cheguei em casa joguei tudo fora. Foram duas noites sem dormir.”

Hoje, com a medicação ajustada – dessa vez prescrita por psiquiatra do Caps – e com a terapia interdisciplinar uma vez por semana, a paciente consegue notar melhora. “O rendimento no trabalho evoluiu muito, já consigo dormir melhor. Ainda sinto sinais da falta do remédio, mas quando isso acontece procuro algo para fazer, geralmente tarefas domésticas, leitura, música”, observa ela, que criou resistência a qualquer tipo de medicamento. “Eu era a pessoa da caixa de remédio. Tinha tudo o que você precisasse. Agora tenho medo de tomar qualquer coisa e passo para todo mundo os danos que esses remédios causam no organismo. Pena que nem todos acreditam.”

Embora todos os Caps presentes nas sete cidades ofereçam terapia voltada à dependência em medicamentos, além de São Caetano, apenas Santo André conta com pacientes com este perfil atualmente. O serviço gratuito oferece tratamento multidisciplinar.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;