Política Titulo 60 anos em 60 entrevistas
‘O encanto do negócio acabou’
Por Humberto Domiciano
Do Diário do Grande ABC
18/04/2018 | 07:00
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O restaurante São Judas Tadeu, no bairro Demarchi, em São Bernardo, durou quase 70 anos. Neste período, o empreendimento cresceu e entrou para a história do Grande ABC.

Em entrevista ao Diário, Albino Demarchi, um dos antigos sócios do estabelecimento, contou sobre como sua família chegou ao País e como resolveram apostar no modelo de negócio.

Albino também relatou causos relacionados aos famosos shows promovidos pelo restaurante e traçou algumas razões que teriam levado ao fechamento do São Judas no começo de 2016.

Albino Demarchi e o Diário
Albino Demarchi confidenciou que lê o Diário há mais de 40 anos. Ao longo desse tempo, o empresário relatou que o jornal teve papel relevante na cobertura dos eventos que aconteciam no São Judas Tadeu, como festas, casamentos e apresentações de artistas famosos.

O Diário também chegou a sediar festividades no espaço durante bom período. Além do frango com polenta, na visão de Albino, o restaurante também ficou famoso por oferecer outros tipos de comida, como, por exemplo, peixes e frutos do mar.

Como a família Demarchi se estabeleceu na região?
Veio em 1889. A mão de obra era de escravos, então, com a abolição faltou pessoal. Começaram a trazer imigrantes, principalmente italianos. A família Demarchi ganhou a gleba, chamava núcleo Galvão Bueno, isso por volta de 1920 a 1925, período que começou a crescer a localidade. Meus bisavós vieram em três irmãos, uma novela da Globo retratou legal isso. Vieram para País desconhecido, língua relativamente desconhecida, tinha um desespero, desembarcou em Santos. Meu bisavô casou no navio. Dificuldades grandes. Dos dois irmãos, um ficou e outro foi para o Interior. Acredito que a família tem 1.600 pessoas.

A família ainda se reúne?
A matriarca morreu, a dona Alice, faz uns quatro anos. Os Demarchi, para se contentar, a cada 15 anos se reuniam para tirar foto. O andar da vida deu uma afastada. Já são cinco gerações, automaticamente cada um vai tomando seu caminho.

O senhor se lembra a primeira vez em que leu o Diário?
Durante muitos anos fiz a festa do jornaleiro. Era em setembro ou outubro. Por uns 15 anos fiz a festa. Já era assinante quando meu filho Rafael (Demarchi, vereador de São Bernardo) ainda não tinha nascido, faz 37 anos. Tem algo curioso, eu morava na Rua dos Coqueiros, 61, em São Bernardo, mas em Santo André tinha um assinante no mesmo número e na mesma rua. Acho que ele não pagou e cortaram meu jornal. Liguei e reclamei, mas mostrei que tinha pago.

Se recorda a primeira vez em que saiu no jornal?
O São Judas Tadeu era uma atração na região. O Carlos Nascimento era da TV Globo e nos anos 1970 veio fazer uma reportagem para o Fantástico, um programa que todo mundo via. E saiu uma matéria de 15 minutos. Para isso, ele gravou umas três horas e em um dia de Natal, e coincidiu de ser domingo 25 de dezembro. Foi um estrondo a reportagem. Foi bem perto do lançamento do (loteamento que virou bairro) Terra Nova e tinha anúncio na televisão. A Avenida Maria Servidei Demarchi congestionava nessa época, foi um mês lotando a rua. Nessa época o ex-presidente João Figueiredo e o Pelé foram lá. O time do Palmeiras também ia muito. O São Judas já saía também no Diário nessa época.

Por que a família apostou nesse tipo de negócio?
Começamos servindo almoço em uma sala de casa. Depois adaptaram um salão maior para 60 pessoas e começou a aumentar. O maior movimento era aos fins de semana. Com as montadoras foi aumentando. É importante citar que não montamos o restaurante para as 4.200 pessoas. O local foi crescendo aos poucos. Conforme a indústria aumentava, a gente expandia. Pela comida de qualidade, simples. Nos fins de ano, todo tipo de indústria fazia confraternização de segunda a domingo. Havia casamentos também.

Além do frango com polenta, quais outros pratos eram sucesso?
Na fase da peixada do São Judas, com a venda em uma Sexta-Feira Santa, com almoço e janta, comprei 800 quilos de camarão. Só 13 a 15 unidades por quilo. A peixada marcou, não só fez o São Judas, mas as churrascarias não tinham peixe e camarão. O nosso crescimento influenciou essa mudança. Chegamos a ter a ‘quinta do camarão’, tinha fila, com capacidade para 2.500 pessoas. Paramos para não estragar o nome da peixada. Estou vendendo barato e o cliente acha que está caro, algo está errado. Hoje custa R$ 160 o quilo, era o preço da peixada.

Qual foi o auge do restaurante São Judas?
Os shows trouxeram prestígio. Primeiro show (da dupla) Chitãozinho e Xororó foi no São Judas. A primeira vinda (à região) do Leandro e Leonardo e do Zezé Di Camargo e Luciano foi lá também. Era um público forte. Fiz Ray Conniff, Pepino di Capri, Záccharo, Nico Fidenco, fazia muitos shows italianos. As apresentações começaram assim. Existia um local chamado Tapeçaria Chic, que fechava o restaurante para os funcionários. Observamos e vimos que dava certo. Começamos com shows humorísticos e depois fomos para musicais.

Como se formou a chamada Rota dos Restaurantes?
Um pouco depois da abertura do São Judas. Mas não fomos o primeiro, que foi o restaurante Tollotti, que tinha um espaço menor. Minha mãe e meu pai faziam na sala. Dois anos depois meu pai fez o salão. O crescimento foi na esteira dos setores moveleiro e automobilístico. O São Francisco e o Florestal, outros dois restaurantes grandes da rota (do frango com polenta), pegaram o fim da fase do carvão. A rota não existiria sem Ipiranga, Mooca e Sacomã.

Como era a relação entre os donos de restaurantes?
Sempre foi boa. Nunca tivemos problemas. Apesar de sermos concorrentes, principalmente em relação a casamentos. A gente fez várias ações juntos. Quem começou os shows em São Bernardo foi a Porteira dos Pampas; depois, o São Judas começou também. Outros restaurantes se propuseram a fazer. Todos os artistas gostavam. Chegou uma determinada época em que não precisávamos ir atrás. Alguns nomes vinham até nós. Não éramos uma casa de shows. A gente adaptava para receber as apresentações. Tenho muita amizade com os empresários da música sertaneja. O São Judas se tornou um restaurante preferencial para esse tipo de movimento. O Leonardo sempre me falou que o ‘São Judas era um restaurante metido a bobo que acha que é uma casa de show, faz um ou dois por mês e por incrível que pareça dá certo’. Em casa de show tem distância, lá não, era bem mais perto.

Qual a origem da ideia de ter shows?
Começamos shows com sertanejos. Era um estilo marginalizado. Certa vez um amigo me sugeriu trazer esse pessoal para o restaurante, disse que estava começando a ser mais aceito, até na Capital. Comecei pelo Sérgio Reis. Faltando 15 dias para o show, tinha esgotado. Então decidimos dividir o salão em três setores, colocar preço da comida, estrutura da casa. Custava o ingresso de Las Vegas e lá não tem bebida e comida à vontade. Chegamos a fazer Luan Santana por R$ 450 por pessoa.

Pode nos contar alguma história curiosa?
Nunca tivemos problemas com outros restaurantes, como falei. Eu fazia muitos shows do Chitãozinho e Xororó. A gente sempre fechou com três empresários. Certa vez, numa dessas conversas informais, meu irmão acertou uns shows do Fábio Jr. com outro empresário. Tive que cumprir, e nessa época Leandro e Leonardo estavam começando a engatinhar. O empresário deles era um dos três que eu trabalhava, ficou chateado e levou os shows deles para o Florestal. Chitãozinho e Xororó iam fazer dois shows e o segundo ia ser no mesmo dia do Leandro e Leonardo no Florestal. Peguei amizade com eles no período, expliquei a história para eles. O Leonardo pediu para que a gente marcasse o show do Chitãozinho para as 23h45 e o deles ficou para 22h45. O resumo é que o fim do show de Chitãozinho e Xororó teve a participação do Leonardo, algo inédito na época. O Diário me ajudou nesse momento, a Claudete Reinhart, que era colunista social, fez uma nota na coluna, na terça-feira, na Primeira Página, algo como ‘clientes do São Judas pagam para ter Chitãozinho e Xororó e assistem também a Leonardo’. O empresário me xingou, mas realmente não tive culpa. Naquela época fizemos um levantamento e pelos menos 80% do público dessas apresentações vinham da Capital.

O restaurante era um ponto de debate político?
Era sim. O PT nasceu no terceiro andar do São Judas. As reuniões para se montar o partido aconteceram lá. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-prefeito de São Bernardo Maurício Soares (PHS), o Roberto Teixeira e o Jacó Bittar iam lá sempre. A relação nossa com o Lula começou um pouco antes. Sempre fomos antipetistas, mas sempre fomos amigos do Lula. Meu irmão (Walter Demarchi) foi prefeito da cidade, contra o PT. Na vida privada sempre tivemos amizade com o Lula. Maior esquema de segurança que tivemos foi numa visita do Daniel Ortega (então presidente da Nicarágua). Uma semana antes a PF (Polícia Federal) e o Exército chegaram para checar tudo. Já o Lula não tinha protocolo, se sentia realmente em casa, chegava até a dispensar segurança quando era presidente.

Como era na época em que aconteciam as greves?
Tivemos algumas oportunidades, às quais perdíamos porque o movimento caía durante a semana. Mas o São Judas sempre atendeu todas as classes, diariamente. Era acessível para todos. Um dia foi o Amador Aguiar, do Bradesco, e tinha caixa do banco também comendo por lá. Fornecia comida para as áreas administrativas de várias empresas nesse período também.

Quais fatores colaboraram para o fim do restaurante?
Temos hoje uma participação em um restaurante em Jundiaí. Meus irmãos cansaram dessa vida. Esses tipos de restaurantes são elefantes brancos, possuem um custo operacional alto. Nos últimos dez anos funcionou com três tipos de estabelecimento. Um de segunda a sexta, um de sexta e sábado à noite e outro de sábado e domingo. Durante a semana era compensador. Chegou uma hora em que realmente não dava mais.

As grandes redes tiveram influência?
Mexeram sim, com certeza. O Outback é absurdo e onde abrir terá fila e sabem trabalhar muito bem.

Como avalia o mercado hoje? Há espaço para algo igual o São Judas?
O Madalosso, em Curitiba (Paraná), sobrevive por capacidade deles. São as circunstâncias do local. Ficam em um bairro como o Santa Felicidade, que é bonito, o que ajuda muito. A prefeitura e o comércio lidaram bem com isso. Madalosso recebe 120 ônibus de excursão. O que foi feito no bairro todo foi importante. O São Judas cansou. A Fogo de Chão hoje é uma estrutura mais complexa, venderam algumas casas, não pôde operacionalizar por seis anos. Depois desse período abriu a NB Steak, que já é considerada a melhor do País. 




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