Cultura & Lazer Titulo
Uma lição para não esquecer
Por Mariana Trigo
Da TV Press
24/02/2008 | 07:01
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Fernanda Montenegro sofreu com a censura na época da ditadura militar. Saiu de cartaz diversas vezes e, em algumas ocasiões, nem conseguia subir nos palcos. Essa época amarga da recente história do Brasil veio à tona nas memórias da atriz ao compor Iraci, sua personagem em Queridos Amigos, da Globo.

“Sofremos traumas horrendos. De vez em quando é bom lembrar da ausência da liberdade de expressão para que não passemos mais por isso”, alerta. Com uma voz pausada e tranqüila, a atriz de 79 anos só se exalta quando lembra das aulas de mambo que fez para viver Iraci.

Conduzida pelo coreógrafo Carlinhos de Jesus, Fernanda compôs a personagem ‘pé-de-valsa’, que transborda sensualidade como amante de Alberto, de Juca de Oliveira. “A gente não precisa ser rico para ser grande. Ela sabe viver a vida. Prefere ser a amante para evitar as chatices do casamento, que é o túmulo do amor”, filosofa.

Você viveu muitas das brutalidades da ditadura representadas na minissérie. Que referências pessoais você emprestou para a Iraci?

FERNANDA MONTENEGRO – Trouxe uma certa disponibilidade que a gente tinha para sobreviver. Foi uma época muito marcada por isso. A sobrevivência em todos os sentidos. Havia um ‘bicho-mulher’ saindo de uma segunda geração de mulheres que foram para o trabalho, ganharam a vida, tornaram-se seres independentes. Todos que tinham algo a dizer por meio de seus ofícios eram perseguidos. O teatro foi massacrado com a proibição, com a falta de liberdade de expressão.

Assim como parte dos personagens, você chegou a ser perseguida pelos militares ou passou pelo DOI-Codi

FERNANDA – Não tive experiências com o DOI-Codi, mas tive muitos espetáculos proibidos em cima da estréia, crises econômicas horríveis. Eu e Fernando (Torres, marido da atriz) sofremos com a falta de liberdade de expressão. Tudo era proibido, qualquer referência a qualquer governo e qualquer contestação ao Estado era vetada. As peças eram tiradas de cartaz. Foi uma hora muito difícil.

Que características da personagem mais chamaram sua atenção?

FERNANDA – Ela é uma funcionária pública aposentada. É catita, se cuida, gosta da vida, teve alguns homens. Ela não é prostituta, longe disso, é uma mulher intensa, gosta de dança, de festas. Mas tem um lado negro, que é a filha Bia (de Denise Fraga) destruída por um processo horrendo de um militarismo cego, burro, destrutivo. Ela foi destruída por um estupro brutal, de um tarado do DOI-Codi, que era um torturador. Com isso, Bia ‘foge’ para o esoterismo, começa a se interessar por horóscopo. Mas a Iraci tem medo. ‘Quem vai cuidar de sua filha quando ela morrer?’. Esse é um trabalho muito bonito, forte e interessante. É uma retomada de uma temática que precisamos falar. Não podemos correr o risco de voltar um dia a cair nessa desgraça.

Mas a personagem tem um lado leve, adora dançar. Como foi a composição através das aulas de mambo e tango com o Carlinhos de Jesus?

FERNANDA – Ele é um danado de um dançarino! Um artista que é um esplendor quando pega você para dançar. Até me dá vontade de continuar tendo aulas de dança de salão. Dançamos bolero romântico, sambas de dor-de-cotovelo, como Elizeth Cardoso, cantores extraordinários de uma época gloriosa. Por causa da dança, achei que ela precisava ter mais cabelo para jogar e coloquei megahair.

Ano passado você foi sondada pela Record. Por que não chegou a um acordo com a emissora?

FERNANDA – Bom... eu nunca tinha feito um contrato longo com a Globo, mesmo depois de tantos anos fazendo novelas. Depois desse episódio, fui contratada por quatro anos, até 2011. Continuo nessa emissora com muito prazer. As produções são altamente qualificadas. Falo isso porque estreei na TV em 1951. Fui a primeira atriz contratada na televisão no Rio. São muitas lembranças, muitos trabalhos feitos com muito carinho e muitas saudades.




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