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Carta ao coelho

Caro ovíparo de ocasião. Calma, calma, não precisa se ofender

Carlos Ferrari
20/04/2011 | 00:00
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Caro ovíparo de ocasião. Calma, calma, não precisa se ofender. Digo isso, pois tu sabes bem de sua fama de grande reprodutor, pai de família com filhos incontáveis, por isso sei bem que mesmo gostando da brincadeira, o senhor das cenouras jamais permitiria que essa história de ovos se estendesse para além daqui da data da Páscoa. Fiquei sabendo de sua enorme dedicação para dar conta do crescimento econômico e da voracidade de consumo vigente aqui pelo nosso País emergente; mas contam bem a ‘boca pequena' o quanto ficas indignado ainda por saber que muitos chegam a adoecer por ter os olhos maiores que a boca diante de seus ovos enfeitados, enquanto tantos outros ainda choram por não poder ganhar no domingo de Páscoa um ovinho de coelho sequer.

Não quero deixar-te com o belo pelo macio arrepiado nem com os olhos vermelhos de indignação, porém, nesta carta para o amigo, não posso deixar de contar-te as notícias que tanto nos entristecem, mesmo nos momentos belos e mágicos, como os que se dão nos segundos repletos de sorrisos de crianças desembrulhadas com os ovos feitos por ti, com aquela habilidade característica de quem se prepara para fazer algo bom, mesmo tendo claro que será apenas uma vez ao ano.

Infelizmente a má distribuição per capita de chocolate não é o único problema que lhe trago nesta carta. Ainda mesmo envergonhado como humano, integrante dessa sociedade cheia de avanços e contradições, tenho que dizer a ti, esperto e veloz representante dos animais ‘irracionais', que o problema de razão por aqui é que anda grande. Chegaremos aos 21 anos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ainda longe de erradicar a violência infantil. Sei que você jamais admitiria aí em sua fábrica, mas saiba que temos, e não são poucos, apesar de todos os esforços, meninos e meninas trabalhando, fora da escola, e, acredite, ainda fazendo parte daquela estatística que já falei nesta correspondência, pois ficarão à margem no dia da distribuição de sua produção sem sequer poder sonhar com o que encontrariam como surpresa dentro de ovos que, como já sabem, não vão chegar.

Prezado herbívoro por convicção, não fico constrangido em tratar do assunto. Sua vida é curta e talvez por isso a aproveite de forma tão saltitante e ativa. Falo de tempo, pois para ti, que vive em média dez anos, acredito que como diria Belchior: "Viver é melhor que sonhar". Então eu, mesmo sabendo não ter o poder das crianças, humildemente lhe peço que nos traga escondidos, em meio a bombons e chocolates, bons sentimentos e força para construirmos uma sociedade menos dura e mais doce, a altura daquelas crianças que, como você, mesmo atentas ao futuro que logo vem por aí, por hora só pensam em correr, sorrir e brincar.




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