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‘O Grito’ cumpre cota de sustos
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
07/01/2005 | 15:16
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A pergunta que não cala toda vez que o assunto cai no filme de terror da estação é: tem “muitos sustos”. É como se a quantidade de sobressaltos por fotograma fosse o tira-teima para aferir a qualidade do cinema de horror. Em parte, é. E dentro desse critério, O Grito é um verdadeiro filme de gênero, ao comportar algumas passagens que farão o espectador derrubar metade do saco de pipocas.

A produção desembarca nesta sexta-feira em oito salas do Grande ABC e redime em parte o terror como espécie cinematográfica, ultimamente constrangido por horrores – no sentido mais vil do termo – como Exorcista: O Início e A Sétima Vítima.

Só para situar o leitor: o filme é remake do japonês Ju-on: The Grudge (2000), ambos dirigidos por Takashi Shimizu. O original nipônico é episódio de uma série de cinco filmes intitulada Ju-on, por enquanto inacabada. O Grito, a obra que dele derivou, configurou-se em pequeno fenômeno comercial nos Estados Unidos, onde estreou em outubro último e rapou US$ 110 milhões de bilheteria. Um desempenho colossal diante do orçamento mínimo, de US$ 10 milhões, e que limpa a alameda para uma seqüência, prometida para 2006.

Mesmo que de forma temerária, o sucesso pode ser explicado pela graduação de Takashi Shimizu no tocante à edificação do clima de terror. Cineasta com cancha para elaborar ambientes de ansiedade é uma espécie em extinção numa época deformada por efeitos de computação gráfica, às vezes tão necessários quanto asas para um tucunaré.

Sarah Michelle Gellar (a protagonista da série Buffy) vive Karen, enfermeira contratada de uma agência que atende pacientes em domicílio em Tóquio. Um de seus afazeres é substituir uma colega que sumiu sem dar notícias e era responsável por cuidar de uma velha norte-americana, que repousa em estado vegetativo em casa. Intriga-se com o fato de nenhum dos filhos de sua paciente, tampouco a nora que reside com ela, dar sinal de vida. O aparecimento de um menino de oito anos chamado Toshio (Yuya Ozeki), de aparência fantasmagórica e trancado em um dos armários da casa, atiça ainda mais o mistério.

Os efeitos especiais não cheiram muito bem a Shimizu. Nas raras ocasiões em que usa, acaba por questioná-los como instrumento para aterrorizar; como, por exemplo, o momento em que Karen se depara com a assombração que amaldiçoa a casa. Shimizu antecipa o pavor, com tomadas das feições de Karen e de sua paciente, antes de exibir o fantasma. Os recursos digitais não têm – e não devem ter, segundo o diretor – a função de substituir o instrumental da imagem e do som (edição, fotografia, efeitos sonoros) que são essência do cinema.

Os instantes de verdadeiro horror em O Grito são criados pela combinação perfeita, milimetricamente estruturada, da fotografia acinzentada, de elementos de cena que dormitam fora do enquadramento e de um cerzir sonoro que conduz do curioso ao desesperador.

Shimizu conhece a medida exata do tempo ao trabalhar esses objetos com a finalidade de ejetar espectadores da poltrona, ou por conta do rosto cadavérico do fantasma da dona de casa Kayoko (Takako Fuji), ou por causa do suspiro gutural (o tal grito do título) e dos passos infantis que preambulam as mortes acomodadas num interessante jogo de tempo presente e flashbacks, ou por causa de uma mão que surge onde não devia – calma, que não é nada disso que os maliciosos imaginaram.

Para o cineasta, efeitos especiais são joio, e o artesanato audiovisual é trigo. A fotografia, da dupla Lukas Ettlin e Hideo Yamamoto e em tons de cimento, responde por criar os sítios de morte irrefreável que dominam O Grito. Quando Shimizu decide esclarecer as causas do mal que paira sobre a casa, a personagem Karen os acompanha in loco e, exceção à regra crepuscular do restante do filme, a fotografia assume um caráter ensolarado, de elucidação.

A casa mal-assombrada – esse clichê que O Grito quer reencontrar – está amaldiçoada em virtude de uma tragédia familiar. Shimizu, então, converte seu filme em uma exposição de destinos condenados por pentencerem ao mesmo nicho familiar, como os clãs dos antigos e dos atuais ocupantes da casa, os da personagem Karen e os do professor interpretado por Bill Pullman. Se poesia é aquilo que se perde na tradução (como dizia Robert Frost), no caso de O Grito, um pouco da arte se perde nessa transição rumo à necessidade explicativa, ao cinema que prega o tintim por tintim. Felizmente, nada muito comprometedor.



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