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Herança de um passado conservador na região
Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC
04/07/2010 | 07:00
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Desde a antiguidade o homem faz uso de objetos e ícones para fazer homenagens públicas. Era assim na Grécia e em Roma. Bustos, estátuas e monumentos diversos foram erguidos em espaços comuns em nome dessa prática. "É uma preocupação em registrar momentos ou pessoas significativas para uma comunidade", resume o gerente de preservação da memória do Museu de Santo André, Nilo Mattos de Almeida.

No Grande ABC, não é diferente. Aqui, os homenageados são sobretudo líderes políticos e religiosos, reflexo do pensamento conservador que se observou no País como um todo.

"Esses monumentos são memórias essencialmente biográficas. Não têm a memória da população em geral", destaca o coordenador do curso de História da Fundação Santo André, José Amilton de Souza. "A visão crítica atual é de que todas as pessoas fazem história em vida e sempre no sentido de buscar uma memória coletiva", complementa.

Também é necessário ter em mente que a instalação dos objetos obedeceu a critérios bem menos inocentes do que honrar nomes importantes para as cidades. "Desde o século 19 há a manipulação desse imaginário coletivo através dos símbolos. Ao escolher quais personagens vão virar bustos, há questões de disputas políticas. Você está dando visibilidade para aquele grupo político, para aquela tradição", afirma Souza.

Apesar de todo contexto histórico, os objetos não perdem o seu valor artístico. A cada feição registrada em praças e largos, está o trabalho dedicado de escultores. "São obras de arte, mesmo que tenham sido encomendadas", reforça o gerente de preservação da memória de Santo André.

Na região, Santo André, São Bernardo e São Caetano concentram grande parte dos bustos da região. Depois de algumas reformas nos últimos anos, São Caetano perdeu alguns ícones. Mauá tem atualmente dois bustos enquanto Ribeirão Pires conta com um.

Valores histórico e artístico ignorados

Deslocados no tempo, grande parte dos bustos espalhados pelos espaços abertos no Grande ABC certamente já testemunharam melhores dias. Em um giro pela região o Diário encontrou exemplos de obras que foram alvos constantes de vandalismo ou que padecem pela falta de manutenção. No entanto, as obras sob abrigo - incluindo espaços privados - seguem bem conservadas.

Em São Caetano, o destino foi pior do que o vandalismo: o desaparecimento. Muitos bustos - assim como outras esculturas de grande porte - foram retirados após algumas reformas, sobretudo no Centro. A Praça 1º de Maio, ao lado da Câmara Municipal, perdeu os dois exemplares em bronze. O do Senador Roberto Simonsen, de autor desconhecido, e uma cópia da obra de Bruno Giorgi que retratava o Conde Francisco Matarazzo, instalada originalmente no São Caetano Esporte Clube, que também não está mais lá.

O Diário questionou a Fundação Pró-Memória, responsável pela preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade, sobre o paradeiro de algumas obras. Até o fechamento desta edição, havia sido localizada apenas a do Senador Roberto Simonsen, na reserva técnica do Museu Histórico Municipal. "Quanto aos demais bustos aguardamos informação e oportunamente lhe comunicaremos", afirmou o presidente da Fundação, Clóvis A. Esteves, em nota enviada ao Diário.

Além de Giorgi, outros escultores que trabalharam em bustos de São Caetano foram Juan Casio Godino Tejera (prefeito Anacleto Campanella) e José Bernardo Salazar (Jânio Quadros, na Escola de Ecologia, e Virgílio Leandrini, na Praça da Figueira).

SANTO ANDRÉ - Em Santo André, o Museu, por meio do corpo técnico de apoio do Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André), fez um levantamento acurado das obras, com data de inauguração e informação sobre os autores, como o italiano Rigoletto Mattei e Antonio Canever e Gildo Zampol.

No geral, as obras andreenses se mantiveram, com algumas mudanças de local e ações de vândalos que picham suportes ou penduram objetos. O único que desapareceu quase que completamente - só sobrou a base de concreto - é o busto de Getúlio Vargas que ficava na Praça Ministro Salgado Filho, na Vila Guiomar. Ainda não há informação sobre o paradeiro da obra ou se há intenção de substituição.

SÃO BERNARDO - A Prefeitura de São Bernardo enviou ao Diário uma relação de monumentos em praça pública, mas o documento não estava totalmente atualizado. O busto do jurista Ibrahim de Almeida Nobre, por exemplo, que ficava localizado sob o viaduto Kenzo Uemura, desapareceu. Quando a equipe de reportagem esteve no local, um pneu velho substituía a obra.

Um pouco mais distante do Centro, o vandalismo é ainda mais gritante. A representação do compostior José Fortuna teve o nariz arrancado e substituído por uma massa mal modelada. A obra em si também foi toda rabiscada de giz colorido. Em lugar da identificação do homenageado, lê-se "É nóis" pixado.

A Prefeitura informa que está realizando levantamento de todos itens do gênero da cidade. A intenção, diz a nota, é restaurar todos os monumentos. (Colaborou Adriana Feder)

 




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