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A TV, segundo Lolita Rodrigues
Por Gustavo Baena
Da Redaçao
17/09/2000 | 17:12
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Quando a TV chegou ao Brasil, a veterana atriz Lolita Rodrigues, 71 anos, estava na festa de inauguraçao da primeira emissora nacional - a TV Tupi-Difusora de Sao Paulo, no dia 18 de setembro de 1950. O evento foi realizado após o desembarque, no porto de Santos, dos equipamentos importados dos Estados Unidos pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand, pai da iniciativa. Coube a ela, que se lembra com emoçao desse dia, a missao de cantar o Hino da TV, de Guilherme de Almeida, no lugar de Hebe Camargo.

Nesta segunda, o Centro Cultural Sao Paulo inaugura exposiçao comemorativa com fotos e projeçoes, e a Assembléia Legislativa de Sao Paulo institui a data de hoje como Dia da Televisao. Lolita, que festeja cinco décadas de carreira televisiva, receberá uma medalha comemorativa, junto com outros veteranos como Lima Duarte e Inezita Barroso.

Lolita começou a trabalhar como artista aos 10 anos na PRG5-Rádio Atlântica, de Santos, em programas infantis. Aliás, quase todos os profissionais que inauguraram a TV no Brasil vieram do rádio. No entanto, eles nao se livraram dos imprevistos da era pré-videotape, segundo Lolita.

O ex-todo poderoso executivo da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni - hoje consultor da emissora -, incluiu um depoimento da atriz em 50/50. O livro, que será lançado em outubro, narra a experiência de 50 notáveis no veículo cinqüentenário, com a intençao de preservar a participaçao dos profissionais que fizeram a TV nesse período.

Para a atriz, está cada vez mais difícil lembrar, na hora das entrevistas, dos muitos fatos que viu e vivenciou ao longo desses 50 anos. Algum detalhe acaba sempre sendo deixado de lado. Ela se aborrece de ter esquecido de mencionar, no livro de Boni, que trabalhou na extinta TV Excelsior. "É impossível lembrar de tudo que fiz em 61 anos de carreira...", diz.

Lolita cita a responsabilidade de ter assumido, tao jovem, o papel da cigana Esmeralda, em O Corcunda de Notre Dame, levada ao ar pela Tupi, e sua participaçao, ao lado de Glória Menezes e Tarcísio Meira, da primeira telenovela diária do Brasil: 2-5499 Ocupado (TV Excelsior, 1963). Recentemente, a trama ganhou um remake, na Rede Record, sob o título de Louca Paixao, com Lolita no elenco.

Com mais de 20 novelas no currículo e tendo atuado em quase todas as emissoras do país, a atriz destaca os programas Almoço com as Estrelas e Clube dos Artistas, da TV Tupi. Neles, conheceu seu marido, Airton Rodrigues, morto em 1993. "A Hebe Camargo e Nair Belo conheci também nos estúdios" diz a atriz. A amizade marcante entre as três permanece até hoje. Quando se reúnem, dao muitas gargalhadas. Nesta entrevista ao Diário, Lolita fala sobre passado, presente e futuro da TV brasileira.

DIARIO - Foi emocionante cantar o hino de inauguraçao da TV brasileira? É verdade que nao era para a senhora cantá-lo sozinha?

LOLITA RODRIGUES - Cantei o hino da TV para substituir a Hebe (Camargo), que havia assumido outros compromissos anteriormente e nao pode desempenhar essa funçao. Senti a emoçao de uma moça de 21 anos que nao sabia o que representava de fato a vinda da televisao.

DIARIO - Do que a senhora tem mais saudades da TV?

LOLITA - Do respeito e das boas maneiras com o telespectador. Também sinto saudades de amigos que se foram, dos grandes cantores e dos musicais. Entre os momentos que me marcaram muito estao a inauguraçao da TV em si, a chegada do homem à Lua, em 1969, e, nos anos 70, a TV em cores.

DIARIO - Como a senhora analisa sua contribuiçao à TV brasileira, sua importância para o veículo?

LOLITA - Sou apenas uma operária do rádio e da TV. Estar na ativa até hoje me faz sentir viva e útil. O fato de fazer parte da história da TV me deixa muito orgulhosa porque estive, com meus amigos pioneiros, no evento mais importante da comunicaçao nacional. DIARIO - Fale sobre a época em que tudo era ao vivo na TV. Os imprevistos eram freqüentes? Foi vítima de algum?

LOLITA - Ah! Os imprevistos eram tantos que nao dá tempo nem para contar... No entanto, eram imprevistos que podiam ocorrer em qualquer lugar, ainda mais pelo fato de que tudo era ao vivo e nao podia ser editado. Justamente por nao poder errar é que os erros ocorriam. Fui garota propaganda do Mappin durante dois anos e tinha de anunciar uma máquina que moía carne com facilidade. Só que, como o contra-regra queria economizar, comprava carne com nervo e, na hora do comercial, nao passava na máquina. Tinham também os copos inquebráveis que quebravam, as letras de música que eram esquecidas, os spots de luz que caíam do seu lado...

DIARIO - A senhora dá um depoimento no livro 50/50 de Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, hoje consultor da Rede Globo). O que achou da experiência de falar sobre sua trajetória? LOLITA - Foi um depoimento calmo. Contei o que já fiz dezenas de vezes. Sao tantas coisas durante esse tempo, que já nem sei o que dizer nas entrevistas.

DIARIO - Algo que aconteceu com a TV no Brasil a entristeceu nesses 50 anos, como a perda de acervos, por exemplo?

LOLITA - Está provado que o Brasil nao tem memória. É uma pena tudo o que foi perdido.

DIARIO - Quais foram as principais transformaçoes da TV nesse período? O que acha da TV hoje em dia, está melhor ou pior?

LOLITA - A TV ganhou baixarias. Nao gosto das apelaçoes que sao usadas para obter ibope. Porém aprecio telejornais, documentários e boas novelas.

DIARIO - O que fascina e motiva as pessoas a fazer TV hoje: fama ou dinheiro? Está mais fácil virar astro ou estrela?

LOLITA - Para muitos a fama é mais fascinante. O dinheiro é para alguns privilegiados. Pode-se fabricar um artista. Se nao tiver talento, desaparece logo. Hoje, a procura pela TV é maior que a oferta. Por isso, a concorrência é muito grande. Nos idos da década de 50, no entanto, nao era bem assim. A sociedade tinha um grande preconceito contra aqueles que tentavam a carreira artística. Principalmente na TV.

DIARIO - Quais profissionais contribuíram mais, até devido à permanência na TV e exposiçao na mídia, nestes 50 anos de TV? Quais surgiram hoje que a agradam e tendem a continuar essa história?

LOLITA - Admiro todos os colegas que têm talento realmente. Mas prefiro nao citar nomes até para nao ser injusta esquecendo de alguém.

DIARIO - Como a senhora imagina o futuro da TV no país?

LOLITA - Nem penso nisso porque nao sei quanto tempo ainda tenho de vida. Mas queria que a emoçao retornasse. As baixarias cometidas hoje em dia em nome da arte sao um desrespeito ao telespectador. Só se vê closes de b... no ar.




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