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CDPs da região registram alta de 67% nas apreensões de drogas e celulares

De janeiro a maio deste ano as quatro unidades prisionais localizadas no Grande ABC acusaram 25 ocorrências a mais que em 2020

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
14/06/2021 | 07:00
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André Henriques/ DGABC


Embora a proibição na entrada de determinados itens no sistema prisional seja clara, não é de hoje que visitantes buscam maneiras de burlar as regras e levar aos detentos os mais diversos objetos. Nos quatro CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC, em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá, a tentativa de ingressar com drogas e eletrônicos cresceu em 67,5% somente entre janeiro e maio deste ano, se comparado com o mesmo período do ano passado. Nos primeiros cinco meses de 2021 foram registradas 62 ocorrências de apreensões em correspondências ou com visitantes. No ano passado a SAP (Secretária de Administração Penitenciária) obteve 25 notificações a menos no período, com 37 tentativas de entrada ilícita nos CDPs.

Segundo a pasta, dentre os casos registrados neste ano, 19 deles apreenderam aparelhos eletrônicos (celulares, minicelulares, fones de ouvido e carregadores) e 43 flagraram a tentativa de entrada de entorpecentes. Em 2020, foram sete flagrantes com eletrônicos e 30 com drogas. O entorpecente sintético K4 foi o mais apreendido nos casos que envolvem drogas, sendo encontrado em 15 de 30 ocorrências em 2020, e em 39 das 43 com drogas em 2021. A substância já foi pega em filtros de cigarros e até mesmo na sola de uma chuteira.

O Diário ouviu agentes das penitenciárias do Grande ABC, que preferem manter o anonimato com medo de represálias. Os servidores confirmam que o mais comum nas apreensões são os entorpecentes dos mais variados estilos, além de aparelhos eletrônicos, porém, revelam que objetos pontiagudos como facas, tesouras e até bisturis também aparecem no ranking.

“Outra coisa que já vimos muito são alguns objetos e brinquedos sexuais que, embora pareçam inofensivos, dentro do sistema prisional podem servir como arma branca”, destacou um agente penitenciário, contando que até armas de fogo desmembradas são comuns nas revistas. “Os visitantes mandam ou tentam entrar com pequenas partes (da arma de fogo), no intuito de o preso ir montando aos poucos”, explicou.

Outro servidor contou que alguns lugares em que as pessoas tentam levar os itens são inusitados. “A forma como as visitas tentam ingressar com os objetos, ou mandar via correspondência, já é estratégia batida porque os filmes, séries e livros mostram há anos como fazem e, então, o pessoal já sabe o modus operandi. Orifícios, sobretudo sexuais, e no meio dos alimentos são os locais mais comuns que tentam passar drogas e partes desmembradas de objetos. Mas já encontramos, por exemplo, droga escondida até dentro do ouvido”, explicou um agente. “É comum também que levem pãozinho feito de cocaína, bolo de maconha e até a erva misturada em pó de café ou achocolatado. Às vezes infiltram agulhas em meio às roupas, ou a droga na costura de calças”, enumerou o agente penitenciário.

Outra coisa que os servidores destacam como “modelo arcaico” são os métodos de revista, criticando a falta de tecnologia e equipamentos modernos. “Todo mundo sabe que tem escâner corporal, equipamentos de raio X e como é feita a revista corporal. Isso também é mostrado em séries e filmes. Dessa forma, os visitantes buscam a criatividade para tentar nos enganar”, frisou o agente.

Os funcionários do sistema prisional garantem que os treinamentos para os agentes são escassos e defendem que a SAP deve investir em tecnologias que evitem a necessidade da revista corporal. “É constrangedor para todo mundo, seja para o visitante ou para o agente que tem de fazer (a revista). Se tivermos mais investimentos, diminuiria com certeza a entradas de coisas ilegais nos presídios e, ao mesmo tempo, evitaria essa necessidade invasiva de busca corporal”, finalizou o agente penitenciário.

A pena para quem tentar entrar em CDPs levando drogas ou aparelhos eletrônicos vai de cinco a 15 anos em regime inicial fechado, com aumento de um sexto a dois terços de reclusão, por ter sido cometido nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, mais o pagamento de multa.

Especialistas defendem modernização da revista

Embora a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) garanta que todas as unidades prisionais do Estado contam com escâner corporal, aparelhos de raio X de menor e maior portes, além de detectores de metais de alta sensibilidade, especialistas defendem que a pasta poderia investir mais em tecnologias avançadas, evitando as revistas corporais.

O especialista em segurança pública e pesquisador do Seviju (Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça) da UFABC (Universidade Federal do ABC) Carlos Augusto Pereira de Almeida destaca que, mesmo com os aparelhos de raio X – que não detectam ainda todos os materiais, sobretudo drogas –, a revista corporal é feita. “O sistema ainda é muito precário. A forma como fazem a busca corporal, sobretudo em mulheres, é extremamente invasiva. Mas tem um custo para se modernizar tudo isso e nem sempre é interessante para o Estado, e também para as facções”, criticou.

Almeida destacou ainda que, normalmente, os casos de apreensões acontecem mais com as mulheres. “A maior parte das coisas que entram é drogas e celulares e, apesar da revista ainda ser constrangedora, são as mulheres que mais fazem isso. Elas costumam levar os itens nas partes íntimas delas e até nas fraldas”, contou, frisando que, embora em menor quantidade, homens também fazem o inverso em cadeias femininas.

Para o professor de direito e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), David Siena, seria possível evitar a busca corporal, que classifica como “ultrapassada”. “A gente sabe que hoje existem equipamento que fazem um verdadeiro escâner das pessoas, bolsas e objetos. Daria também para investir em treinamento para que os agentes prisionais estivessem mais preparados para lidar com as revistas”, pontuou o docente.

No entanto, os especialistas divergem quanto ao motivo que levou ao aumento das apreensões. Somente nos cinco primeiros meses deste ano os quatro CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC, localizados em Santo André, São Bernardo, Diadema e Mauá, registraram 67,5% a mais nas ocorrências do que no mesmo período do ano passado.

Para Siena, o acréscimo do número de apreensões deste ano está relacionado com a retomada das visitações nos presídios. “Acredito que o aumento tem total relação com a pandemia, porque no ano passado houve muita restrição às visitas”, pontuou.

Já Almeida pensa que o número está relacionado à maior rigidez na fiscalização. “Quanto mais se tem fiscalização, mais coisas são pegas”, garante o professor, destacando que os presídios também deveriam investir mais em bloqueadores de sinal de celular. “Outra coisa que vimos acontecer foi o uso de drones, que soltavam mercadorias nos pátios durante o banho de sol dos presos”, finalizou Almeida.




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