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Uma mãe com mais de 300 filhos
Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC
08/05/2004 | 19:25
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  Todos os dias, sem exceção, Zoraide Rampazzo, 78 anos, sai de casa às 6h10 para dispensar total atenção a 50 crianças acima de 1 ano – tem também de 24 anos – que moram na Associação Lar Escola Irmão Alexandre, no bairro Mauá, em São Caetano. Viúva, com três filhos, oito netos e dois bisnetos, Zoraide encontra no coração, desde 1979, espaço suficiente para amar a família e quantos órfãos chegarem ao abrigo que coordena. Até mesmo neste domingo, Dia das Mães, antes do almoço em família – momento que não dispensa de jeito algum –, ela estará no orfanato. “Vou cuidar deles, dar o almoço e aí sim passarei o dia de festa com meus filhos, netos e bisnetos.”

A rotina é árdua, mas compensadora. “Das meninas que foram criadas aqui, já tenho 28 netos”, conta com orgulho. Desde a fundação da casa, Zoraide já participou da criação e educação de pelo menos 300 crianças. Algumas delas, hoje adultas, continuam com cama cativa no abrigo. “Tem um rapaz que já está com 24 anos. Ele sai para trabalhar e volta para dormir.”

Nem mesmo nos feriados e fins de semana Zoraide deixa de reservar momentos exclusivos para suas crianças. “É quando venho mais cedo, porque o número de funcionários é menor.” É difícil o dia no qual a supermãe retorna para casa, perto das 22h.

Ao falar da escolha de vida, Zoraide não esconde a emoção. Nos olhos, marejados de lágrimas, é nítida a gratidão que traz de cada uma das crianças que por lá passaram ou que ainda permanecem na casa. No rosto, cada traço marcado pelo tempo parece ter nome. O nome de cada criança que contou com seu carinho e amor para se transformar em adulto de sucesso. “Uma de nossas crianças hoje mora no Canadá”, diz orgulhosa. No lar, também há espaço para a jovem Ana, que, com 24 anos, depende de cuidados especiais por ser deficiente mental.

Com a mesma intensidade de amor é o dia-a-dia da professora aposentada Rosângela Basso Mascardo, 55 anos, que vive em função das lembranças que os filhos cravaram em seu coração. Desde julho de 1998, um mês após perder os jovens Leandro, 24, e Maurício, 16, em um acidente de carro na avenida Atlântica, no bairro Valparaíso, em Santo André, faça chuva ou sol, Rosângela não deixa de amarrar um buquê de flores amarelas, chamadas macarrão, na árvore contra a qual o carro dos filhos se chocou.

A homenagem é feita no dia 7 de cada mês, como ocorreu na sexta-feira passada. “É uma forma de agradecer o carinho e a história de vida que me ofereceram.” Conta Rosângela que a união dos filhos era de dar inveja. “Costumo dizer que eram almas gêmeas. Não se desgrudavam. Faziam tudo juntos, e lembrar da união que tinham me dá forças para tocar a vida sem a presença material deles.”

Na sua casa, no Rudge Ramos, no entanto, tudo o que pertencia aos “meninos” continua no mesmo lugar. Há fotos por todos os cômodos. Em um canto da sala, flores, inúmeras fotos e a Bíblia aberta no salmo 91 deixam evidente o sentimento da mãe: “Foram almas gêmeas, nossas jóias tão cedo devolvidas a Deus. Deixaram uma lição inesquecível de amor, união, justiça, bondade, amizade e fraternidade. Sempre digo que eles viveram tão intensamente que tenho certeza estarem felizes onde quer que estejam”, diz a mãe.

“Coloco as flores para que toquem as pessoas em socorrer vítimas.” Esse é o intuito de Rosângela Basso Moscardo ao amarrar o buquê de flores amarelas na árvore da avenida Atlântica. Em quase dois anos, ela conta que “falhou” só uma vez. “Porque minha mãe estava doente e eu precisei ficar com ela.” Também foi apenas uma vez que o buquê sumiu.

Na sexta-feira, dia 7, o Diário acompanhou Rosângela até o local do acidente. Debaixo de uma garoa intensa, a mãe viu uma cena muito parecida com a de 7 de junho de 1998. Desta vez, porém, a vítima fatal foi um motoqueiro. “Mas pelo menos a pessoa parou para socorrer. Que Dia das Mães terrível esta mãe terá”, completou. Rosângela passa o Dia das Mães com os irmãos e a mãe na casa de parentes no Brooklin, em São Paulo. “É assim desde que eles morreram”.




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