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Rolando Boldrin reafirma fama de 'rei dos causos'
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
27/05/2001 | 18:50
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  Quem conta um causo aumenta um fato, e para começar basta um contador. Se o causo é verdade, não tem criatura nesse mundo que prove. Só quem testemunhou, de fato, o ocorrido, invariavelmente com desfecho engraçado. E é com o livro Contando Causos (Nova Alexandria, 160 págs, R$ 19), lançado dia 26 de maio na 10ª Bienal do Livro do Rio, que Rolando Boldrin, cantor, ator, apresentador de TV, radialista, e agora escritor, reafirma sua fama de grande contador de causos. É seu primeiro livro no qual escreve histórias do gênero, de tradição mais oral do que literária, que ele contou e conta em sua carreira. Boldrin tem outro livro publicado, Empório Brasil, de 1987.

No Brasil, há pouco material editado e poucos causos escritos. Quem iniciou esse registro do jeito brasileiro de contar histórias, tendo o homem do povo como “herói”, foi Cornélio Pires, que recolheu causos de caipiras paulistas em livros lançados na primeira metade do século XX. Boldrin expande um pouco os horizontes para Minas Gerais, Nordeste, Sul, acrescentando o capiau mineiro, o cangaceiro maroto, o gaúcho valentão, entre outros tipos brasileiros variados.

O divertido do causo é ouvi-lo de preferência em grupo e acompanhado de uma dose da “amargosa”, a mesma que “matou o guarda”, bebida com moderação. Isto para não atrapalhar o entendimento do conto, exatamente o que vem a ser o tal do causo, que envolve situações cômicas entre padres, soldados, crianças, bichos com feições humanas, políticos, pão-duros, valentões, e os bêbados apreciadores da “marvada”.

Boldrin narra 63 causos, quase um para cada um de seus 64 anos. Todos floreados pelo seu jeito caipira de narrar, que reproduz a fala típica dos matutos. Aliás, caipira é que não falta neste livro, pois é do interior que vêm esses causos. Vêm, se transformam, e são reciclados, tornando a voltar. “Causos correm o mundo e cada um conta os mesmos como achar mais conveniente” escreve Boldrin antes de partir para o primeiro, ocorrido com ele no quartel, quando servia o Exército, na ocasião em que ficou preso junto com um companheiro por carregar pinga num cantil em vez de água.

Assim, Boldrin mescla fatos vividos por ele, causos envolvendo anônimos, tipos de sua terra e figuras do meio artístico. Quase dá para ouvi-lo no texto, embora causo seja melhor ao vivo do que escrito. No papel, vale como registro desta tradição brasileira.

Como este, envolvendo dois caipiras, que está inteirinho no livro e aqui, bem resumido: Dois caipiras, acocorados na beira da calçada, enrolam cada um seu cigarrinho de palha. Sem prosear, só naquele ritual. De repente escutam um barulho forte, mais ou menos assim: blomm...blomm...blomm. Os dois olham sincronizados para o céu e se deparam com um elefante voando e batendo as asas. Acompanharam o bicho até ele sumir no horizonte. Voltaram ao velho cigarrinho e novo barulho, e a mesma coisa, dobrando o número de elefantes. Assim foi, e outra vez, e outra, todos voando para o horizonte. Então, um deles perguntou, calmo e arrastando no sotaque: “Então, cumpadi! O que é que ocê me diz disso aí?” E o compadre, também calmo: “Eu digo que, pelo que eu acho, o ninho deve ser...logo ali. Pois foram tudo pro mêmo lado, uai”. E voltaram ao fuminho.




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