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Emprego no campo deve fechar década com queda de 20%
Do Diário do Grande ABC
20/05/2000 | 13:51
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Mesmo com o maior número de assentamentos da história do país e um aumento de investimento na agricultura familiar, a oferta de trabalho no campo deve fechar a década de 90 com uma reduçao de quase 20%. É o que apontam dados da Fundaçao Seade (Sistema Estadual de Análide de Dados), que acompanha sistematicamente a oferta de trabalho na Agricultura. Para este ano, a projeçao da Seade é de que a oferta de trabalho fique em 6,185 milhoes de Equivalente-Homens-Ano (EHA). Em 1990, a Seade estimou a oferta de trabalho em 7,641 milhoes de EHAs.

Um EHA é o equivalente à jornada de 8h de um adulto durante 200 dias. "Extrapolando, o número de EHAs é semelhante ao número de postos de trabalho apurados no setor urbano, com a ressalva de que no campo o trabalho é mais flexível e pode ser exercido por várias pessoas ao longo do ano, e em regime temporário ou integral", explica o pesquisador Otávio Basaldi.

De 1995 a 1999, o governo assentou 372.866 famílias, ou 1,864 milhoes de brasileiros. E os recursos do Programa Nacional de Amparo à Agricultura Familiar (Pronaf) vêm crescendo. Na safra 97/98, o governo destinou R$ 1,6 bilhao ao programa. O pacote recém-anunciado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, prevê R$ 4,2 bilhoes para a safra 2000/01.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utilizados pela Seade mostram, contudo, que a área cultivada recuou nos últimos dez anos. Em 1990, a agricultura ocupou 52 milhoes de hectares. No ano 2000, a expectativa é de que a área fique em 49,993 milhoes de hectares. Enquanto isso, nos últimos 10 anos, a produçao agrícola deu um salto. O IBGE estima que a safra de graos este ano atinja 85,9 milhoes de toneladas, contra 71,9 milhoes em 1990.

Na avaliaçao do professor Walter Belik, consultor da Seade e integrante do Núcleo de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a reduçao de oferta de trabalho se deu por meio de dois movimentos. O primeiro deles foi o aumento da técnica na agricultura, que reduziu a necessidade de mao-de-obra. O segundo, a reduçao do número de pequenos produtores.

Belik afirma que estes dois movimentos se relacionam com as mudanças na política agrícola da última década. No fim dos anos 80, o sistema de financiamento subsidiado do governo entrou em crise. "Esse sistema se baseava na oferta de crédito subsidiado de acordo com a área que fosse ser plantada", explicou Belik. Paralelamente, ocorreu o progressivo endividamento da agricultura, intensificado durante o governo Collor. Nesse governo, ocorreram o confisco bancário, que reduziu a oferta de dinheiro, e a abertura às importaçoes, que expôs à competiçao internacional a agricultura, até entao altamente protegida.

Crise - Segundo Belik, a agricultura entrou em crise e a produçao só começou a se recuperar durante o Plano Real. "Foi quando uma nova abertura às importaçoes barateou muito o custo dos insumos, de máquinas e equipamento a defensivos e fertilizantes." Como resultado, o economista afirma que o custeio da agricultura deixou de vez de ser baseado no crédito por área plantada garantido pelo governo. "Ao contrário, quem financia a produçao sao as empresas de insumos, em troca de todo um pacote tecnológico que o agricultor tem que adquirir." O pacote, disse o professor, ampliou a produtividade da agricultura, o que explica como a produçao aumentou em uma menor área. "Ao mesmo tempo, é um pacote a que só têm acesso os grandes produtores, o que vem excluindo progressivamente os pequenos do mercado."

Novas fronteiras - Na avaliaçao do economista Guilherme Dias, ex-secretário de Política Agrícola no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, a mudança no crédito e a abertura comercial sao parte da causa do aumento do desemprego. No entanto, Dias acredita que a migraçao da agricultura de ponta de velhas áreas produtoras para regioes próximas da Amazônia também teve papel importante. "A produçao mudou para essas regioes, mas a mao-de-obra ficou onde estava, até porque nao havia necessidade de importar trabalhadores para as novas fronteiras agrícolas", disse.

Segundo o ex-secretário, as velhas áreas agrícolas convivem agora com um desemprego estrutural, situaçao na qual grande parte da mao-de-obra nao encontra condiçoes de se recolocar no mercado de trabalho. "Isso é totalmente novo: em décadas passadas, o trabalhador rural arrumava empregos de menor qualidade durante momentos de crise, mas o desemprego estrutural nao existia", afirmou.

"O governo está deixando cada vez mais de investir na agricultura comercial e aumentando os recursos para a reforma agrária e agricultura familiar, embora haja questionamentos se suas políticas sao ou nao eficientes." Para o economista, no entanto, a Confederaçao dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra provavelmente continuarao pressionando. "E por um motivo óbvio, a açao do governo é menor do que a necessidade social, por questoes orçamentárias", afirmou.

O economista afirmou que, observando-se o ciclo de países que passaram por modernizaçoes na agricultura, o Brasil enfrentou os primeiros 10 anos de um período de 30. "Por isso, nao há muito motivo para otimismo", disse. O economista afirma que o assistencialismo do governo poderá resolver a questao social provisoriamente, mas é necessário que o país cresça mais do que vem crescendo para ocorrer uma soluçao definitiva. "Se o crescimento for maior, os filhos desses trabalhadores rurais poderao arrumar empregos fora da agricultura", disse. "Mas se o crescimento continuar medíocre, a situaçao tenderá a ficar mais grave."




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