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Literatura: poder e soluçoes faraônicas
Ricardo Ditchun
Da Redaçao
21/10/2000 | 19:04
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  Pirâmide egípcia é assunto de interesse coletivo. Poucas pessoas no planeta devem ter sido educadas sem que tenham recebido um mínimo de informaçoes a respeito dessa peça arquitetônica, concebida na mente de poderosos e seus asseclas a fim de preservar por toda a história a memória dos faraós. Nao é à toa, portanto, que muitos déspotas contemporâneos tenham usado - alguns ainda tentam - esse recurso faraônico para a obtençao de notabilidade. Passado e presente, unidos assim por ocorrências reais, mas enriquecidos por competentes soluçoes de ficçao, sao o mote do mais recente livro de Ismail Kadaré, traduzido para o português diretamente do albanês por Bernardo Joffily: A Pirâmide (Companhia das Letras, 144 págs., R$ 22).

O pano de fundo fatual é Quéops, segundo faraó da IV dinastia egípcia, e a construçao de sua pirâmide, por volta de 2600 a.C. Esse monumento, como se sabe, é o maior entre os erguidos no alto de Gizé e também o mais volumoso bloco edificado de que se tem notícia. Kadaré, 64 anos, é um dos notáveis autores contemporâneos (foi citado pela imprensa especializada mundial como forte candidato ao Nobel deste ano). Nasceu na Albânia e, em 1990, exilou-se na França. Um trecho de A Pirâmide foi publicado no mesmo ano, às vésperas do fim do comunismo no país e pouco antes de Kadaré partir para Paris. A íntegra do texto, no entanto, só chegou aos leitores em 1992.

Além de uma conhecida e grande motivaçao pessoal de Kadaré em relaçao ao tema pirâmide, vale dizer que essa obra começou a ser escrita em 1988, quando, para homenagear os 80 anos de nascimento de Enver Hoxha, o ditador de plantao na ocasiao, começou a ser construído em Tirana, capital albanesa, um museu. As linhas do projeto, no entanto, faziam os operários obedecerem aos mesmos princípios físicos básicos vencidos por seus colegas de infortúnio do passado, os egípcios esmagados por Quéops. Hoxha, morto em 1985, nao quis menos que um edifício piramidal.

A Pirâmide é, assim, uma parábola. Narra o processo que fez surgir o túmulo de Quéops, mas, de fato, investe contra o totalitarismo e empunha a bandeira da liberdade. Descreve o uso do terror de Estado em manifestaçoes físicas e psicológicas. Com isso, provoca arrepios, posto que esse é um medo que penetra e paralisa as mentes.

O autor apresenta, ainda, interessantes particularidades técnicas envolvidas na edificaçao da pirâmide, além de explorar importantes teses científicas. Por exemplo: as pirâmides foram feitas para ocupar a força e os cérebros da populaçao e exercitar o poder de Estado, uma possível referência à situaçao albanesa das décadas de 70 e 80, quando, entre outros absurdos, foi ordenado que todos os caes do país fossem mortos. A justificativa: "Eles só comem e nada produzem".




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