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Walmor Chagas encena monólogo em SP
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
14/03/2005 | 13:22
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Walmor Chagas é um homem de teatro, mas queria mesmo ser de cinema. Não deu, foi para a TV, onde hoje em dia só aceita fazer personagens inteiramente definidos para o ator interpretar, que não sejam modificados no decorrer da história. Só não faz mais novelas. “Não quero me sujeitar às senhoras do ibope”, afirma. Além de tudo, ele está indignado com o rumo das coisas, com a perda do sentido de cultura brasileira diante do padrão comercial de origem norte-americana e com a supremacia do poder da imagem sobre a linguagem escrita, base de aquisição cultural de uma geração e para o trabalho de ator. Por tudo isso ele é Um Homem Indignado, monólogo escrito, produzido e interpretado por Chagas que estréia sexta-feira no teatro do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em São Paulo, com direção do cineasta Djalma Limongi Batista e trilha sonora de Clara Becker, filha do ator com a atriz Cacilda Becker.

Ao completar 55 anos de carreira (74 de idade ele completa em agosto), Chagas coloca-se no palco diante de uma tela de cinema no fundo do cenário. Em cena, duas linguagens para um personagem que se desdobra em outros e testemunha o poder influente da imagem e das mudanças tecnológicas do cinema e da televisão sobre as pessoas. Em cena, ele é um veterano ator septuagenário em um estúdio de reality show, que pretende gravar a própria morte para exibi-la para a audiência. Chama o ato de “loucura cívica”. “E do jeito que os realities vão, isso deve até acontecer mesmo no futuro, nos próximos dez anos”, afirma.

Apesar de ser um monólogo, Chagas não está exatamente só. Ele contracena com imagens de atores projetados na tela. Os personagens virtuais são o diretor José Celso Martinez Corrêa e o ator Ítalo Rossi, ambos fazendo a si mesmos; os demais são de ficção.

O personagem de Chagas diverge sobre o mundo atual e suas relações com a imagem. Ao se tornar velho, o ator destrói sua imagem. Um salto do tempo presente para o passado, e ele se torna um imperador inca e um conquistador espanhol, conquistador e conquistado em um só. “É uma peça de resistência cultural que dá a dimensão da tragédia humana, que nunca tem vencedores”, diz o diretor Limongi. O cineasta foi convidado porque lida justamente com imagem e o embate do ator é com a imagem em cena, como um coro.

Limongi foi durante dois anos professor de direção da ELCV (Escola Livre de Cinema e Vídeo) de Santo André e tem dois assistentes, alunos egressos da escola, trabalhando com ele na peça: João Emerson Rocha, que ajudou na gravação das imagens da tela em DVD, e André Okuma, que faz assistência de direção e cenografia.

O texto tem elementos autobiográficos, mas Chagas nega que seja totalmente inspirado em si mesmo. “Olho o mundo de hoje e falo de nossa vulnerabilidade cultural diante da indústria cultural de origem norte-americana. O personagem busca se enquadrar em uma linguagem, se encontrar em uma forma de expressão”, diz. A intenção é mostrar também o homem comum diante de situações que requerem interpretações. Cita um poema de Fernando Pessoa: “De que te serve a cinematografia das horas representada por atores de convicção e poses determinadas?”. “Somos todos assim”, diz. Mas o alvo é a televisão, onde qualquer um pode ser ator.

Chagas está atualmente na minissérie Mad Maria. Novelas, nem pensar. “Só aceito convite para fazer personagens integralmente escritos. Não aprendi a representar desse jeito, com autores fazendo mudanças conforme o ibope”, disse. Não nega a importância da televisão. “A TV é democrática. Do zé ninguém às elites, todos recebem a mesma informação. Do ponto de vista de influenciar pessoas, o que são 5 mil exemplares de um livro diante de 50 milhões de telespectadores? Quem faz política cultural são os donos das emissoras de TV”.

Quanto ao teatro, que para Chagas é a única linguagem de expressão que põe o ser humano em total integralidade diante do espectador, ele não vê saída para sua perda de “densidade”. “Teatro virou subproduto da TV, continuação da TV. Perdeu a função de informar, de educar. O teatro não expressa a realidade brasileira. Está uma comercialização escancarada, muito entretenimento. Só peças com atores da TV. Em São Paulo isso se dá menos; é no Rio que se percebe mais. Mas tenho ido pouco ao teatro. Em geral, os atores gostam mais é de fazer teatro.”

Terminadas as gravações da minissérie e as encenações, o endereço do autor não é nem Rio nem São Paulo. Chagas escolheu o meio do caminho para ficar longe da “urbanidade desenfreada”. Vive há 15 anos a 1,3 mil metros de altitude, na Serra da Mantiqueira, numa fazenda em Guaratinguetá (SP), no Vale do Paraíba. Mora só – tem um caseiro e uma empregada – e passa o tempo lendo, escrevendo e curtindo a solidão. “Não sei criar bois, não sei cuidar de horta. Fico pondo minha vida intelectual em dia. Me cansei do burburinho urbano, das badalações, de ter de dizer frases interessantes a todo momento”. Luxo e sofisticação também não é com ele. “Uma cesta básica basta para mim. Não compro roupa, não tenho vontade de ter vinhos caros. Sou mais de tomar uma pinguinha no almoço. Tenho umas cachaças maravilhosas de Minas. Estou hoje como um caipira, que quando vai à cidade diz à mulher que cidade grande dá dor de cabeça.”

Um Homem Indignado – Monólogo de Walmor Chagas estrelado pelo ator. Dir.: Djalma Limongi Batista. No Centro Cultural Banco do Brasil – r. Álvares Penteado, 112, São Paulo. Tel.: 3113-3651 e 3113-3652. Estréia dia 17, às 20h (para convidados). De  quinta a sábado, às 20h; domingos, às 19h. Ingr.: R$ 7 e R$ 15. Até 22 de maio.



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