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Justiça concede sete medidas protetivas por dia a mulheres do Grande ABC

Em 2017, 2.817 moradoras obtiveram o benefício; número é 30% maior do que o registrado um ano antes

Por Aline Melo
20/08/2018 | 07:32
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Nario Barbosa/DGABC


O número de medidas protetivas concedidas com base na Lei Maria da Penha – que completou 12 anos de vigência no início do mês – aumentou 30% no Grande ABC entre 2016 e 2017. Os registros passaram de 2.163 para 2.817, no ano passado, o correspondente a sete por dia. Em 2018, até junho, já foram 1.158 – média de seis por dia.

Os dados foram informados pelo TJ (Tribunal de Justiça) do Estado de São Paulo. Conforme o órgão, desde 2013 foram 12.120 medidas expedidas para moradoras das sete cidades, sendo a maior parte delas (42,6%) relacionadas à proibição de aproximação do agressor e a ofendida, familiares e testemunhas.

Socióloga e professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), Silmara Conchão avalia que o aumento é reflexo da maior presença do debate sobre a violência contra a mulher na sociedade. “Desde a criação da lei, a gente joga luz nesse tipo de crime e consegue identificar essa problemática social que afeta as mulheres”, considera. “Ainda é um desafio tirar a legislação do papel, mas a gente vem buscando com os serviços de acolhimento e as redes de proteção. As medidas são fundamentais neste processo”, completa.

Silmara pontua que o início da tipificação de homicídios de mulheres como feminicídio, em 2015, colaborou para que os dados fossem mais próximos da realidade, separando crimes motivados pelas questões de gênero. “Isso chama a responsabilidade de todos os setores da sociedade para evitarmos a mortalidade das mulheres perpetrada pelo machismo”, finaliza.

Mestre em Direito Penal e professora da FDSBC (Faculdade de Direito de São Bernardo), Celia Regina Nilander de Sousa, destaca que a medida protetiva tem como principal função garantir a integridade física da vítima.

O não cumprimento da determinação por parte do agressor implica em crime, passível de detenção de três meses a dois anos. “Ter o afastamento do agressor do lar é uma das medidas que pode evitar o feminicídio”, pontua a professora. O pedido de medida protetiva pode ser feito pela própria vítima, ou indicado pelo Ministério Público.

Para os casos em que a mulher em situação de violência doméstica e familiar com risco iminente de morte não têm para onde ir, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC oferece o Programa Casa Abrigo. As vítimas podem ser acompanhadas ou não dos dependentes menores de 18 anos.

“O acesso ao programa se dá por meio dos Centros Especializados no Atendimentos às Mulheres em Situação de Violência das cidades consorciadas ou, nos municípios onde não há esses serviços, por meio dos Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social), passando pela avaliação das equipes técnicas e das casas abrigo”, explica a coordenadora de projetos do Consórcio e responsável pelo acompanhamento do programa, Maria Gracely Marques.

A coordenadora destaca que as mulheres e os filhos recebem encaminhamento biopsicossocial e acompanhamento jurídico, que visam retirá-los do ciclo da violência. “A permanência na casa pode ser por um período de até 180 dias, considerando a especificidade de cada caso”, pontua Maria Gracely. Desde a implantação, o Programa Casa Abrigo atendeu cerca de 1.100 mulheres e 2.000 crianças/adolescentes. Atualmente, estão abrigadas seis mulheres, 16 crianças e dois adolescentes. 

Projeto visa agilizar aplicação do direito

A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 14 de agosto, alteração na Lei Maria da Penha que permite que delegados e policiais decidam, em caráter emergencial, sobre medidas protetivas para atender mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Pelo projeto, nos casos em que as medidas protetivas forem decididas por delegado ou policial, o juiz deverá ser comunicado no prazo máximo de 24 horas e decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou a revisão da medida, comunicando a decisão ao Ministério Público. 

O projeto segue para votação no Senado e só voltará à Câmara se houver alguma modificação. Atualmente, o delegado tem até 48 horas para comunicar o juiz sobre o pedido de medida protetiva, e o juiz tem mais 48 horas para decidir. A titular da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Santo André, Adrianne Mayer Bontempi, classifica a mudança como positiva. “As mulheres que são vítimas de violência buscam nas delegacias um atendimento imediato, muitas vezes logo após o crime ter ocorrido”, declara. “Esses quatro dias que a vítima não tem mais que esperar podem fazer toda diferença”, conclui. 

O entendimento é o mesmo da titular da DDM de Diadema, Renata Lima de Andrade Crupi. “A alteração é bem-vinda. As mulheres que sofrem violência precisam de um atendimento imediato. Nem sempre manter essa pessoa abrigada é uma alternativa viável, porque ela trabalha, tem filhos que estudam. Afastar o agressor dela é garantir respaldo legal para uma proteção efetiva”, finaliza.

Após anos de violência, vítima fez denúncia e mudou de vida

“Minha lua de mel acabou após um ano de casamento, quando levei o primeiro tapa”. A declaração é da psicóloga Claudia Cesar Costa, 43 anos, que passou dez anos sendo vítima de violência doméstica. Ela morava em Mauá quando se casou, em 1997. Aos 22 anos de idade, achava que o comportamento agressivo do marido iria mudar. “Mas só piorava. Durante dois anos, acreditei que se tivéssemos um filho também poderia ser diferente, mas ainda bem que não tivemos”, relembra.

Claudia diz que era impedida de trabalhar e estudar, agredida física e psicologicamente e constantemente ameaçada com uma arma. “As primeiras agressões foram psicológicas. Ele dizia que eu não servia para nada, que nenhum homem iria me querer e não me deixava estudar”, conta.

Em 2006, Claudia recebeu o diagnóstico de câncer de mama. “Saía para o hospital e ele não acreditava, achava que iria traí-lo. Meu desespero chegou a um ponto que tentei colocar fogo na minha casa e me matar. Minhas amigas me impediram e me incentivaram a denunciá-lo.”

Claudia se muniu de coragem e foi à delegacia da mulher. Lá, foi atendida e voltou à sua casa com dois investigadores, que encontraram a arma do ex-marido. “Voltei para a delegacia e fiz o boletim de ocorrência. Fui para um albergue e, depois, para a Casa Abrigo, onde permaneci por cinco anos”, pontua.

Na Casa Abrigo, além de apoio psicológico, Claudia deu continuidade ao tratamento contra o câncer e voltou a estudar. “Concluí os ensinos Fundamental e Médio, estudei para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e passei no vestibular. Fui a primeira abrigada a fazer curso superior”, diz, orgulhosa.

Durante cinco anos, Claudia processou o ex-marido com base na Lei Maria da Penha. “Não desisti e digo para as mulheres: não desistam. Conto minha história porque muitas não sabem que existe uma rede de apoio. Persisti e consegui com que meu ex-marido fosse preso”, finaliza. <TL>




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