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Com 2 meses de portas fechadas, comércio deixa de faturar R$ 1,96 bi

Estimativa de economista da USCS revela impacto do novo coronavírus no setor

Por Tauana Marin
do Diário do Grande ABC
05/04/2020 | 00:05
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Denis Maciel/DGABC


O comércio das sete cidades da região respira por aparelhos em razão da propagação da Covid-19. Caso o isolamento social perdure por 60 dias, a estimativa é de que o setor tenha queda no faturamento de R$ 1,96 bilhão no Grande ABC – tendo como base o comportamento na segunda quinzena de março. O cálculo preliminar foi elaborado pelo economista Jefferson José da Conceição, do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS (Universidade Municipal de São Caetano). Para chegar ao resultado, o docente estimou que o PIB (Produto Interno Bruto) anual em 2019, nas sete cidades, ainda não divulgado, seja de R$ 112,5 bilhões (baseado em anos anteriores).

Se a receita anual do comércio regional corresponde a R$ 22,5 bilhões, neste ano a projeção é de que fique em R$ 19,65 bilhões. Neste caso, a queda entre 2019 e este ano seria de 12,69% – supondo declínio de 8,71% do faturamento nos meses de março e abril e 5% entre maio e dezembro. “Em um esforço de projetar algum número, mesmo passível de larga margem de erro, eu diria que, considerando que o setor de comércio das sete cidades, que emprega cerca de 143 mil trabalhadores formais, com uma redução de aproximadamente 12,69% no faturamento e então aplicando-se o mesmo percentual no nivel de emprego, podemos falar que cerca de 18 mil postos de trabalho devem ser fechados até dezembro”, projeta o economista. Vale lembrar que o comércio regional está entre os cinco principais polos de consumo do País.

Ainda segundo Conceição, para fazer as estimativas, supõe-se taxa de desemprego constante. No caso desse índice subir, o impacto no comércio será ainda maior. Os dados excluem o faturamento em supermercados, farmácias e comércio eletrônico, cujas vendas tendem permanecer estáveis. Outras pesquisas, por exemplo, apontam alta das vendas nestes setores no mesmo período: supermercados (+20%); farmácia (+12%); comércio eletrônico (+30%).

“Com esse isolamento, pessoas em casa, redução de salários ou até mesmo ausência deles, a tendência é de que as pessoas passem a deixar de consumir bens duráveis, tais como carros, eletroeletrônicos, roupas, sapatos e por aí vai. Além disso, com a incerteza de como ficará o emprego, grandes dívidas, que dependem de financiamento, como a compra de uma casa própria, deixará setores paralisados, com esses trabalhadores desempregados. Nos mercados, haverá trocas inteligentes, ao invés de carne de primeira, quando o orçamento aperta, passaremos a buscar outras opções”, analisa o economista. Por outro lado, venda de gás de cozinha (que estava em falta na região), eletrônicos (como notebooks, para aqueles que precisaram se equipar para trabalhar home office) e de alimentos de primeira necessidade (como muitas famílias fizeram por causa da incerteza, estocando papel higiênico, por exemplo) não deixarão de serem consumidos.

De acordo com a análise e projeção feita, o economista acredita que o saldo geral já é bastante negativo e preocupante, uma vez que não se sabe o grau de longevidade da crise. O segmento do comércio, em específico, vai depender da recuperação na área da saúde (quanto ao controle do coronavírus), da normalidade da mobilidade das pessoas e também do crescimento do PIB brasileiro, porque o comércio do País e do Grande ABC depende das expectativas, do grau de confiança das pessoas. Quem está desempregado, por exemplo, irá postergar compras que não são urgentes.

Para o economista, os impactos dependerão também das medidas tomadas pelo governo para retomada da economia. “Precisamos ‘de um Plano Marshall’ no Brasil (principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial), pois essa medida ajudou a recuperar economias que ficaram destroçadas por meio de alto volume de investimento público. Estamos vivendo uma economia de guerra e o comércio é um dos primeiros afetados. Temos o inimigo a ser atacado, no caso o vírus, e logo após o controle da pandemia será preciso combater a depressão econômica e isso precisa ser simultâneo a esse primeiro momento onde o foco é a saúde. Sendo otimista, vejo que o cenário econômico começará a retomar fôlego apenas a partir da primeira metade de 2021. O estado, os governos – municipais e estaduais –, têm papel fundamental”, avalia o economista.

Perda de lojista em março bate 40%

O proprietário de uma loja de roupas da marca Hering, Juliano Decile, 34 anos, de Santo André, tem tentado driblar o mau momento dos negócios. A unidade está fechada, suas duas funcionárias em casa e o faturamento de março mostra queda de 40% em relação a demais meses do ano.

“Seguindo as orientações da companhia, estou aproveitando o momento para organizar a loja, fazer alguns ajustes e recorro hoje às vendas on-line, por meio de WhatsApp para clientes cadastrados. Nesse primeiro momento, inclusive, não estou cobrando taxa de entrega em Santo André e São Bernardo, onde já ocorreram pedidos”, destaca o comerciante.

Ele acredita que no caso de o isolamento persistir, as grandes redes irão tomar algumas medidas como descontos e liquidações pela internet. “Torcendo para que tudo se estabeleça até maio, quando é comemorado o Dia das Mães, considerado o segundo Natal para o comércio”.

Quanto às funcionárias, Decile explica que a renda fixa que recebem continua mantida e, a princípio, não sairão de férias. “O que não dá para pagar são os bônus que elas têm direito quando batem as metas de vendas e atendimento. Mas, nesse momento, o importante é elas se manterem em casa, protegendo a si mesmas e aos outros.”

Em meio às contas, novas alternativas e medidas que minimizem os prejuízos, o lojista encontrou tempo para continuar a ser solidário.

“Quem quiser passar na minha loja para deixar doações, como fraldas para adultos, leite, produtos de higiene, mantimento, roupas, será bem-vindo, entre as 14h e 17h, horário que estou presente. A ideia é continuar ajudando uma casa de idosos que já faço parte.” A unidade fica na Avenida Lino Jardim, em Santo André.

O lojista aproveita para fazer apelo: “Não adianta, nós, comerciantes, fecharmos nossas lojas e encararmos problemas financeiros enquanto as pessoas continuarem nas ruas, como os frequentadores da Praça Kennedy, em Santo André”, exemplifica.

Em meio ao caos, associações ignoram prejuízos e desemprego

O comércio do Grande ABC, até a primeira semana de março, empregava 142.210 pessoas, segundo dados do Ministério da Economia. Passados quase 30 dias, as associações comerciais da região ainda não têm ideia de quantas pessoas já perderam seus empregos diante da quarentena, determinante para o controle do coronavírus.

Por meio de nota, Valter Moura, presidente da Acisbec (Associação Comercial e Industrial de São Bernardo), diz apenas que “o impacto será grande no comércio”, mesmo ainda não tendo números efetivos. Por outro lado, setores que são considerados serviços essenciais têm conseguido manter os funcionários. “Todos os outros estão sendo prejudicados e serão obrigados a demitir. O setor de turismo também está sendo fortemente afetado. Mas ainda é cedo para saber porque muitos empresários ainda aguardam medidas do governo. Acordos e férias estão ocorrendo apenas nas grandes empresas. O pequeno estabelecimento prefere demitir a fazer redução de jornada, por exemplo”.

Por outro lado, atividades que conseguiram se adaptar e fazer delivery estão sobrevivendo. “Lojas de roupas estão usando mídias sociais para receber pedidos. Mas, nesse caso, o tipo de trabalhador é outro. Aquele da loja física está em férias, licença e corre o risco de ser demitido na volta. O desemprego haverá, mas ainda não sabemos em que proporções”.

Beto Moreira, presidente do Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC), acredita que o setor será fortemente afetado. “Muitas empresas têm procurado o Sehal para buscar informações a respeito de procedimentos no período da quarentena. Nós estamos orientamos a dar férias coletivas, tendo ou não tempo de serviço, que podem ser fracionadas, mas nunca em um período inferior a cinco dias. Há também a possibilidade de usar banco de horas específico. Quando o funcionário voltar ao trabalho ele fará algumas horas a mais para compensar os dias parados. É melhor o acordo do que a demissão.”

Mesmo assim, Moreira informa que uma rede com dez unidades demitiu quase todos os seus funcionários e colocou o restante em férias sob o argumento de não ter recursos para pagar os salários e manter custos com os aluguéis sem ter faturamento. “O Sehal tomou algumas medidas para ajudar seus associados. Elaboramos informativos e encaminhamos por e-mail com diversas orientações sobre procedimentos a serem adotados nesta fase para que as empresas possam se proteger e sobreviver. Esperamos que alguma medida provisória ajude as pequenas, que representam 90% dos nossos associados”, explica.

Segmento registra declínio de 53,4% no volume de vendas na Capital

Com os efeitos da pandemia de coronavírus e, consequentemente, as medidas de isolamento social intensificadas no País a partir do dia 15 de março, as vendas no comércio paulistano registraram queda média de 53,4% na segunda quinzena de março ante igual período de 2019, segundo dados do Balanço de Vendas da Associação Comercial de São Paulo.

No período, vendas a prazo, que incluem bens duráveis como eletrodomésticos, registrou queda de 61,7%. Já aquelas pagas à vista, ou de bens não-duráveis, como vestuários e calçados, desaceleraram 45%. “Começamos o mês com uma conjuntura, mas encerramos com outra”, afirma Alfredo Cotait, presidente da ACSP. “Porém, vale lembrar que esses são dados preliminares do comércio físico, que não incluem o setor supermercadista nem as vendas pela internet, já que muitos que não conseguiram comprar em lojas físicas, acabaram comprando on-line.”
 




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