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Luta de vida pela arte

Português radicado em Santo André, artista plástico Raul Barros precisa criar para viver

Vinícius Castelli
22/10/2017 | 07:00
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 Raul  Amorim de Barros tem história um tanto peculiar. Português de Viana do Castelo, veio ao mundo em 1952. Ao longo dos seus quase 65 anos, a vida já lhe colocou várias provas, algumas boas, outras nem tanto. Radicado no Brasil, hoje vive em Santo André, de favor, no apartamento de uma amiga. É artista plástico, a paixão de sua vida e o que o motiva a acordar todos os dias e seguir em frente. Mas hoje, o que precisa é de pincéis, telas, material para trabalhar – pois até isso acabou – e lugar para fazer o que ama: arte.

Mas vamos contar essa história do início. Quando tinha 18 meses de vida seus pais se separaram e Barros foi deixado com os tios. Saiu de casa aos 13 anos e nunca mais voltou. A mãe, só foi conhecer, de fato, aos 18. Ele conta que cursou Belas Artes em Paris e se especializou em pintura, escultura e técnicas especiais. Mas antes disso teve outros empregos em sua peregrinação pela Europa: engraxou sapatos na Alemanha, lavou pratos na Itália e até em mina de carvão, na Espanha, trabalhou. “Hoje sou marido de aluguel quando aparece algo. É como consigo comprar comida”, diz o artista.

Ao longo de seus estudos, Barros descobriu o frotage, escultura sobre pintura. “Me dediquei A essa arte”, diz ele, que jura de pés juntos ser o único no mundo a fazê-la nos dias de hoje. Suas peças são, muitas vezes, texturas sobre tela a partir da fricção, que é o método frotage, desenvolvido pelo artista Max Ernst (1891-1976) no início do século passado. Ernst, aliás, tem grande influência em Barros, que usa também técnica de sobreposição de esculturas em madeira sobre as pinturas, o que dá efeito tridimensional.

O mar está presente em seus trabalhos. Destaques são suas réplicas de embarcações, como caravelas e galeões dos séculos 16 e 17. Tudo entalhado à mão. Algumas obras podem ser vistas pelo site www.flickr.com/photos/raul_barros.

Uma das exposições mais recentes de Barros foi em shopping de Santo André, em junho, mas o artista já expôs em várias cidades do Brasil, Portugal, Holanda, onde conta, aliás, que realizou sua primeira grande obra, uma estátua de Baco (Deus do Vinho) em pedra calcária, com seis metros de altura.

A Espanha também está no currículo de exposições do artista e com mais uma história incrível de se contar. Um belo dia, em mostra individual, Barros causou polêmica, e das grandes, em plena ditadura do general Francisco Franco. “Fiz uma obra com Jesus Cristo crucificado em garrafa de Coca-Cola. Fui expulso da Espanha. Fui perseguido. Fiquei três dias sem dormir, me deixaram em pé. Interpretaram meu trabalho de forma errada. A ideia era que as pessoas olhassem para a criação. Tudo, naquela época, era Coca-Cola”. Duas décadas depois soube que a mesma peça havia sido vendida na Austrália, sem seu conhecimento, por US$ 15 mil.

O Brasil era o sonho de infância de Barros, mas a vinda se concretizou após a volta da guerra civil em Angola. “Fui capitão do Exército lá, fiquei 46 meses no país e quando voltei ao Continente assisti à novela Gabriela, Cravo e Canela. Em 1983 vim para o Brasil, primeiro para São Paulo e, depois, Fortaleza. Fui até o Rio Grande do Sul. Enquanto meu trabalho era exposto sempre vendia.”

Em 2006, voltou a Portugal por conta da morte de seu filho. Gastou todas suas economias e hoje sonha em poder viver de sua arte. “A perda de meu filho foi um caos na minha vida”, revela. Barros não quer voltar a morar em Portugal. Diz que aqui é o País de seu coração, apesar das dificuldades. “Moro em casa emprestada e posso me candidatar a ser morador de rua. Sonho fazer mais obras, participar de alguma bienal.”

O que ele quer, de fato, além de um local para se instalar e poder criar, é ser merecedor de viver de seu trabalho. “Sinto que estou morrendo a ‘conta gotas’ por não poder pintar. Tenho tanta coisa na cabeça para ser feita, tantas obras para fazer. Quero expor.”




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