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Um inédito e os clássicos
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07/11/2009 | 07:00
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Rubem Fonseca sempre gostou de mistérios. Escritor que inaugurou a moderna literatura urbana no Brasil ao revelar as entranhas da sociedade e antecipar a escalada de violência no País, ele não se deixa fotografar, tampouco concede entrevistas, embora circule com desenvoltura pelas ruas do Leblon, no Rio, protegido por um boné, passeando na praia, comprando jornais, frequentando cinemas. Também continuam nebulosos os motivos que levaram Rubem Fonseca a deixar a Companhia das Letras no final de abril, interrompendo parceria de 20 anos - nenhuma justificativa foi anunciada, o que fez fervilharem as fofocas.

"Realmente, o desconhecido cai bem em Rubem Fonseca", graceja Paulo Roberto Pires, diretor editorial do Grupo Ediouro, do qual faz parte a Agir, editora responsável, agora, pela publicação da obra do autor. O acordo foi acertado em maio e os frutos chegam hoje às livrarias: o romance inédito "O Seminarista" (184 páginas, R$ 36,90) e a reedição de dois clássicos, "Os Prisioneiros" (176 páginas, R$ 36,90) e Lúcia McCartney (240 páginas, R$ 39,90).

"Nossa intenção era começar pelos extremos, ou seja, o primeiro romance ("Os Prisioneiros", de 1963) e o mais recente, que é o inédito", conta Pires. "Mas, como Lúcia McCartney está há um bom tempo fora de catálogo, decidimos incluí-lo no primeiro lote." O segundo, que deverá chegar em janeiro, vai trazer "Agosto" e "A Coleira do Cão".

Pires faz mistério em relação ao projeto que convenceu o escritor a assinar com a Ediouro, depois de um leilão que envolveu as principais editoras brasileiras. Mas certamente pesou favoravelmente a disposição da editora em transformar O Seminarista no primeiro livro a ser lançado também em formato digital no Brasil, para e-book, iPhone e iPod. "A partir da próxima semana, o conteúdo estará disponível para o Kindle e na Applestore", conta Pires, revelando que a editora prepara um site para a promoção da obra.

Aos 84 anos, Rubem Fonseca é um aficionado por essas novidades tecnológicas envolvendo sua obra, a ponto de manter uma saudável competição com João Ubaldo Ribeiro. "Estou ligeiramente na frente dele porque recentemente comprei um monitor enorme, que me permite enxergar melhor as letras", brinca Ubaldo.

Rubem Fonseca tinha terminado O Seminarista quando encerrou seu contrato com a Companhia das Letras. Depois de assinar com a Ediouro, ele fez ainda alguns retoques. O foco do livro é, evidentemente, policial. José é um ex-seminarista que se transforma em matador de aluguel conhecido por Especialista (que também aparece nos contos de Ela e Outras Mulheres). O leitor, aliás, só descobre que ele abandonou a batina depois de alguns capítulos, mas desconfia de algo por conta de profusão de citações em latim.

Ele recebe as ‘encomendas' de um intermediário conhecido por Despachante até o momento em que decide novamente abandonar o ofício - apaixonado por Kirsten, alemã que traduz livros brasileiros, José se aposenta, desfazendo-se de suas armas. O idílio, no entanto, é curto, pois logo ele começa a receber dicas de que seria alvo de um antigo cliente. Pior: Despachante, até então um amigo confiável, encabeça a lista dos prováveis interessados em seu desaparecimento.

O Seminarista é seu primeiro romance e surge quatro anos depois de Mandrake, a Bíblia e a Bengala. Texto fluente, provoca uma vaga lembrança dos clássicos americanos (especialmente de Raymond Chandler), mas se impõe como brasileiro graças à sua picardia tipicamente carioca. Fonseca continua hábil em conduzir a história, fornecendo aos poucos os detalhes para o leitor, prendendo-o à narrativa.

O ponto negativo, no entanto, é a quantidade de digressões que pouco ou nada acrescentam à história, um desvio de percurso que poderia ser mais bem aproveitado. Como quando disseca a forma das diferentes armas ou o sabor dos pratos da culinária alemã - Fonseca parece se divertir com a busca do leitor por algum sentido naquele desvio de rota.

O livro chega com uma tiragem inicial de 20 mil exemplares, e parte deles virá acompanhada de um brinde, candidato a já se tornar objeto de culto: uma edição limitada do conto A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro, que vem acompanhado de um ensaio fotográfico de Zeca Fonseca, filho do escritor. "É uma relação afetiva dos dois com a cidade", conta Pires, ajudando a desvendar um pouco do mistério que envolve a vida pessoal do mais novo autor clássico nacional de seu elenco.

Os hábitos de Fonseca, aliás, só são conhecidos a partir de dicas de amigos. Assim, sabe-se que dorme pouco, acorda muito cedo, lê muito (sobre praticamente tudo), adora cinema (foi o primeiro crítico da revista Veja) e música (rock inclusive), morou algum tempo no mitológico hotel Chelsea de Nova York, conhece como ninguém a literatura americana e, atendendo ao clamor do sangue luso, não só torceu durante muito tempo pelo Vasco da Gama como ainda hoje não resiste a um bacalhau com brócolis.




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