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Índios urbanos vivem invisibilidade
Por Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
28/08/2005 | 07:59
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Quando se fala em índio, a primeira idéia que aparece é a aquela transmitida pelos livros escolares: um homem nu, corpo pintado, com flechas e tacape nas mãos, escondido em algum lugar na floresta. Muita gente nem imagina, mas há milhares de índios vivendo nos grandes centros urbanos. São índios invisíveis. Eles passam despercebidos, porque se vestem como os brancos, trabalham, estudam, cuidam da casa; vão à igreja, ao supermercado. Muitos reservam algumas datas especiais para reencontrar suas tradições; outros perderam o contato com os antigos rituais.

O Brasil tem hoje 345 mil índios (0,2% da população). São 215 sociedades indígenas, que falam 180 dialetos. Quando os portugueses chegaram, havia 1 milhão e cerca de 1,3 mil línguas. Mais da metade deles vive hoje no Centro-Oeste e Norte do país. No Estado de São Paulo, há 2.716 indígenas.

Um levantamento feito pela ONG (Organização Não-Governamental) Opção Brasil identificou 15 etnias indígenas no Grande ABC (veja quadro). São pankararus, pataxós, terenas, xavantes, entre outros, que cruzam diariamente com os brancos nas ruas e centros comerciais.

"Quando falo que sou índia ninguém acredita", diz a estudante universitária Barbara Aparecida dos Santos Matozo, 23 anos. Ela tem a pele clara e o cabelo encaracolado. "Não tenho nada a ver com o estereótipo que se tem do índio, mas sou índia."

Barbara é filha de índios pankararus que migraram da aldeia Brejo dos Padres, em Pernambuco, para São Paulo. Está no segundo ano de matemática da PUC (Pontifícia Universidade Católica), como bolsista do Projeto Pindorama, que dá bolsas de estudo para descendentes de índios.

Por assumir a sua condição de indígena, Barbara diz enfrentar preconceitos. "Certa vez, uma pessoa me disse que era muito inteligente para ser índia de verdade." Durante uma palestra em uma escola, "uma criança me perguntou por que não estava pelada e com pinturas no corpo".

Barbara vive no Jardim Sônia Maria, em Mauá, onde vivem outros 35 pankararus. Na cozinha de sua casa, ao lado da avó, Maria, e do avô, João, ela relembra a trajetória de sua família, que começou quando João completou 17 anos e saiu da aldeia em direção a São Paulo (hoje ele está com 68 anos).

"A gente não tinha nada lá. Era uma vida precária, sem roupa, sem coberta, sem talher, sem comida", lembra a avó Maria, que sonhava em aprender ler. "Meu sonho era conversar com o papel." Esse sonho ela realizou.

A família de Barbara revive as tradições indígenas uma vez por ano, pelo menos. Todo Dia do Índio (19 de abril) eles se reúnem no espaço de um conjunto habitacional, no bairro Real Parque, em São Paulo, para dançar e usar os trajes típicos.

Exclusão - Essa foi também a única vez no ano que a pankararu Edna Batista Nascimento, 25 anos, lembrou que era índia. "Meus pais me passaram muito pouco da cultura deles. Até tenho carteirinha da Funai (Fundação Nacional do Índio), mas me sinto excluída." Edna conta que já participou de "uma festa deles".

Edna vive em Santo André, tem dois filhos e está desempregada. Mostra-se desiludida: "Os índios que conheço moram em locais horríveis, em favelas. Passam muita dificuldade. Meu pai tem 56 anos, teve enfarte e está completamente abandonado." A carteira da Funai, no entender dela, tem pouca utilidade. "Não sei se tenho direitos, não conheço e também nunca recebi uma carta da Funai." Às vezes, quando alguém pergunta, ela mente e diz não ser índia.

Mesmo assim, quando vestiu a praiá (roupa de palha que se usa em cerimônias), dançou e gritou junto com outros índios, ela diz ter entrado "em uma espécie de transe".

Discriminação - O professor de antropologia da UnB (Universidade de Brasília), Stephen Baines, afirma que alguns índios "renegam a identidade indígena", para fugir do preconceito. "Nos grandes centros é mais difícil, mas em cidades menores é comum ainda haver discriminação. O índio é considerado sujo, preguiçoso, bicho do mato."

Baines diz que, como qualquer grupo étnico, quando existe união entre as pessoas é mais fácil ter atendida uma pauta de reivindicações. "Quando se está isolado, é muito complicado." Ele observa que a maioria dos índios urbanos mostra articulação com suas aldeias de origem e volta para lá periodicamente. "O fato de se vestir e trabalhar como branco, não significa que deixou de ser índio", comenta o professor da UnB.

Marcos Aguiar, que se desenvolve o projeto Índios Urbanos, na ONG Opção Brasil, em São Caetano, é a favor de uma "desconstrução da imagem indígena". "Quando se pensa em índio, é algo muito longe, no meio do mato, alguém com o olho puxado, que fala tupi-guarani, quando na realidade a gente se esquece que o índio está aqui, na cidade, bem do nosso lado."



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