Política Titulo Entrevista
'Distritão abre porta ao banditismo'
Humberto Domiciano
28/08/2017 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Senadora por São Paulo, a ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB) se mostra bastante crítica a um dos principais pontos da reforma política: a adoção do sistema distritão. Para ela, a votação direta dos candidatos aos Legislativos, sem quociente partidário, abre espaço para nomes de “igrejas, celebridades e banditismo organizado”.

Em entrevista exclusiva ao Diário, a peemedebista avisa que buscará renovar seu mandato no Senado – ela se elegeu em 2010, pelo PT, e mudou de legenda durante esse período. Marta também acredita no crescimento da bancada do PMDB no Congresso Nacional. “São Paulo tem representação baixa, só temos um federal (Baleia Rossi), que é o líder do partido na Câmara.”

Marta analisa os primeiros meses de gestão de João Doria (PSDB) à frente da prefeitura da Capital – ela disputou a cadeira hoje ocupada por ele no ano passado – e questiona algumas ações do tucano. “A população não conseguiu perceber alguma mudança que implicasse em melhoria de vida. Na periferia, isso começa a ser notado.”

Como o Congresso tem reagido depois da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer?
Câmara é uma coisa e Senado é outra. Não circulamos pelas Casas e muitos entendimentos são feitos com as lideranças. No processo atual, não queremos ser uma Casa carimbadora. Na questão da reforma trabalhista já teve um certo embate e as Medidas Provisórias estão prontas para serem enviada.

O que pensa sobre a reforma política e sobre o distritão?
Em relação à reforma política, uma questão séria para todos, nosso receio é que aquilo se atropele e chegue a algo que o Senado não tenha tempo para deliberar, apesar de existir um certo esforço nosso para conversar e que se faça um debate na Câmara. Eu pessoalmente acho o distritão muito ruim, já que vai descaracterizar partidos, que, em vez de serem fortalecidos, cada um com sua ideologia, suas propostas e renovações, serão desprezados. Serão eleitos os atuais integrantes da Câmara, já que os partidos devem apostar mais uma vez nesses nomes que terão mais chances. Para o partido é importante eleger gente. Vamos ter uma porta aberta para igrejas, celebridades e banditismo organizado. Acredito que seria a pior escolha. Neste caso, seria melhor ficar como estamos do que correr para isso.

Existe clima para aprovar o distritão no Congresso Nacional?
A reforma começou na semana passada. Eles (Câmara) precisam se debruçar logo e o Senado vai se rebelar se receber algo em cima da hora. São 40 dias apenas.

O PMDB poderia perder parlamentares?
O PMDB é o que menos vai perder parlamentares. Talvez receba alguns candidatos. Não ouvi falar sobre saídas. Outros partidos podem se desintegrar, mas o PMDB acho que pode crescer.

Como está o partido em São Paulo?
O PMDB precisa crescer no Estado. São Paulo tem representação baixa, só temos um federal (Baleia Rossi), que é o líder do partido na Câmara. Mas a gente não pode deixar essa situação, temos que fazer um esforço enorme para eleger mais deputados.

E o Grande ABC faz parte dessa estratégia?
Acho que sim. A região é extremamente representativa e populosa e não tem por que não estar na mira.

A sra. será candidata ao Senado? Qual a perspectiva?
Serei candidata sim. Paguei a transição de partido na eleição do ano passado (quando saiu do PT e foi para o PMDB) e agora terei que focar no que faz diferença no Senado. Tenho clareza, porque os valores pelos quais entrei, a ética e a justiça social, primeiro no PT, permanecem exatamente iguais. As questões da mulher e LGBT também. No Senado, exatamente por ser a decana, tenho peso muito grande nas questões de direitos humanos, da mulher e, mais do que nunca, em um sistema tão conservador é importante ter pessoas assim na política. Hoje temos posições de pessoas que acham que a mulher deve perder o direito legal ao aborto em caso de estupro e risco de vida. Temos projetos nessa direção. O do casamento gay – que apresentei faz tantos anos e aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) – deve passar no plenário. Tenho trabalhado também em outras questões importantes para o Estado de São Paulo. No Senado, eu, Aloysio (Nunes Ferreira, PSDB) e José Serra (PSDB) sempre fechamos questão e votamos igual. Tivemos uma briga grande do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do combustível, quando o governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi até Brasília, conversou com nosso líder, o Raimundo Lira (PMDB-PB), mas o PMDB não fechou questão. A posição do governador fez passar e derrubamos. Seriam R$ 300 milhões perdidos que estão no Orçamento e são destinados a áreas como Saúde e Educação. Se perdesse esse valor, seria imediato e afetaria o Estado. Outro projeto que trabalhei muito foi no Super Simples, recebemos da Câmara algo irrealizável e em oito meses de negociação, conseguimos uma coisa boa, principalmente para São Paulo.

Como avalia a sua derrota na eleição de 2016 à prefeitura de São Paulo?
Nós todos, eleitores e candidatos, ficamos surpresos com a eleição do João Doria (PSDB). Ninguém se preocupou em desmontar as suas histórias e quando percebemos ele estava na frente, com muito tempo de televisão. Ninguém tinha tempo para trabalhar numa crítica, já que cada um estava preocupado em ir para o segundo turno. Foi uma surpresa para todos e, talvez, até para ele próprio.

Como avalia a gestão de João Doria?
É sempre precipitado falar antes de cumprir um ano de mandato. Mas até agora a população não conseguiu perceber alguma mudança que implicasse em melhoria de vida. Na periferia, isso começa a ser notado. Falta remédio nos postos, o Corujão da Saúde deu certo, mas as operações nem tanto. Médicos estão em falta também. Ainda na periferia, os atuais prefeitos regionais têm dito que estão sem recursos, com o Fernando Haddad (ex-prefeito da Capital, PT) só tinha zeladoria, que é pouco. E na minha gestão tinham verbas para obras, era descentralizado. Outro ponto (do governo Doria) é que todo mundo fica um pouco aterrorizado, tem uma coisa de escola militar. A crítica é importante em qualquer governo, troca de opinião é fundamental.

O Doria será candidato a presidente da República?
Não sei. Parece que está empenhado, mas não poderia responder isso.

Como estão os projetos que envolvem a sra. na Operação Lava Jato?
Um da Odebrecht foi arquivado junto com o do Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o do Roberto Freire (PPS). Foi arquivado por idade. Gostaria que tivesse sido fechado depois de investigação, para provar minha inocência. Sobre as coisas que o Joesley (Batista, um dos donos da JBS) falou espero que a investigação vá até o fim para eu processá-lo depois.

A sra. tem estreitado os laços com os municípios?
Fiz muitas visitas ao Interior. Fui para Sorocaba, Campinas, São José dos Campos e São José do Rio Preto. Tenho feito um périplo justamente para sentir como está a população, os problemas locais. Não é tão diferente do que vejo por aí. O maior problema em todos os lugares é a Saúde. Pode ser uma Santa Casa que está sem recurso e que atende a região, mas acaba ficando sem contrapartida. Algumas cidades não visitei, mas tenho recebido pedidos de municípios pequenos de até 40 mil habitantes e nesses locais acabo buscando formas de ajudar. Muitos não têm nem receita. Tenho falado com os prefeitos, para se organizarem em consórcios, para ter uma máquina em comum.

Quais as possíveis soluções para esses problemas?
Hoje tem se falado muito sobre economia criativa. A gente, como prefeito, trata do básico, em uma cidade de até 50 mil precisa se pensar numa solução. Seja em cerâmica, confecção ou bordados. Alguma coisa é criada. Uma das cidades que veio conversar comigo foi Tabatinga (em São Paulo). Eles me trouxeram uma mostra, uma cesta com ursinhos de pelúcia. Uma pessoa que morava no Japão trouxe uma técnica e hoje empregam 1.500 pessoas fazendo isso. Em Campinas, o prefeito Jonas Donizette (PSB) me impressionou nessa área de inovação, por lá existem grupos de excelência.




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