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A voz do povo

Escritor Jorge Amado completaria 100 anos em agosto;
'meus livros falam sobre o povo e para o povo', dizia ele

Por Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
15/04/2012 | 07:00
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"Meus livros falam sobre o povo e para o povo", costumava dizer o escritor baiano Jorge Amado (1912-2001), que escolheu a terra natal como cenário para o trabalho de uma vida e captou a polifonia das vozes sociais.

Presente em seus romances, o universo de coronéis, jagunços e prostitutas permeou a infância do escritor - filho do coronel João Amado de Faria e da dona Eulália Leal Amado - em Itabuna, cidade da região cacaueira no sul do estado.

Antes de completar um ano, Amado presenciou o episódio que faria a família se mudar para Ilhéus: o pai foi cercado por jagunços e levou um tiro. Décadas mais tarde, cenas dessa proporção se tornariam frequentes em produções como "Terras do Sem-Fim" (1943).

Amado conseguiu o primeiro emprego em 1927. Era repórter policial do Diário da Bahia e levava rotina apimentada entre aspirantes a literato, pescadores e prostitutas. Em 1930, mudou-se para o Rio e, no ano seguinte, iniciou a carreira literária.

O projeto do romancista, que completaria o centenário em 10 de agosto, era alcançar o maior número de leitores. E obteve êxito: lançou mais de 30 livros, tornou-se um dos escritores mais populares do Brasil e atravessou fronteiras, sendo traduzido em 55 países.

"A literatura amadina, como costumam dizer, projeta o Brasil. Muitos conhecem o País por conta de Jorge Amado, autor brasileiro que mais teve traduções para outras línguas, sendo também o mais vendido", diz o professor de letras Juarez Donizete Ambires, da Fundação Santo André.

Responsável por despertar o interesse de leitores pela ficção literária, Amado possuía uma linguagem simples e direta. "Isso facilita o acesso", diz Ambires. Na década de 1940, o romancista foi alvo de diferentes críticos que associavam o seu estilo ao desleixo.

Em carta a Fernando Sabino, Mário de Andrade afirmou: "Garanto que você pode ir longe. Mas não como um Jorge Amado, com pouco trabalho, ignorância muita e criação de sobra. Você tem de trabalhar dia por dia. Como um Machado de Assis."

Na realidade, Amado era metódico durante o processo criativo, sendo capaz de escrever inúmeras vezes a mesma passagem sem se dar por satisfeito. Para ele, o ato da escrita era muito racional em vez de guiado pela emoção, conforme muitos imaginavam.

A linguagem simples, facilmente compreensível, era opção e reflexo do engajamento político. "Como tinha ligação com representações internacionais do Partido Comunista, ele trabalhava com a ideia de que a literatura deveria se popularizar. Deveria ser veículo de comunicação e formação para camadas que estavam distantes da escola", afirma Ambires.

A escritora Zélia Gattai, mulher com quem Amado foi casado por 56 anos, não só revisava as produções como palpitava no destino dos tipos, a exemplo de Tereza Batista, de "Tereza Batista Cansada de Guerra" (1972). A pedido da companheira, mudou de lugar o dente dourado. Cada vez que a personagem sorrisse, seria aquela tristeza.

Autor brasileiro mais adaptado para o cinema e a televisão, o autor de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" viu os personagens escaparem dos livros. "A escrita de Jorge Amado é muito plástica. A capacidade que ele tem de criar cenários e permitir que o leitor os visualize é grande", diz o professor.

A obra do escritor, sobretudo a partir de "Gabriela, Cravo e Canela" (1956), apresenta Brasil de sensualidade e sexualidade marcadas pela presença do sangue negro. "Isso se tornou protótipo do País. As adaptações da Globo chegaram lá fora e entusiasmaram os estrangeiros a fazer outras adaptações", afirma Ambires.

Museu sedia exposição comemorativa

Em celebração ao centenário de nascimento de Jorge Amado, o Museu da Língua Portuguesa sediará a mostra "Jorge Amado e Universal: Um Olhar Inusitado Sobre o Homem e a Obra", que será aberta na terça-feira.

Com direção-geral de William Nacked, a montagem não esgota a biografia, nem a criação ficcional, mas sugere caminhos para o público. A ideia é despertar a vontade de ler e descobrir mais depois de conferir a mostra.

Os visitantes serão recebidos por nove personagens, que lhes darão as boas vindas. "Eles se apresentam ao público e falam sobre o universo do autor", adianta o diretor do museu, Antonio Carlos Sartini. Entre os tipos escolhidos por representar a diversidade da obra em diferentes períodos estão Antonio Balduíno de "Jubiabá" (1935) e Pedro Arcanjo de "Tenda dos Milagres" (1969).

Além de conteúdo representativo (como fotografias e objetos) organizado em módulos, a exposição apresenta forma interessante baseada em elementos presentes na obra de Jorge Amado. "O mar da Bahia é retratado com mais de 900 litros de azeite de dendê enquanto o cacau forra uma parede", diz Sartini. A cenografia é estruturada em armações metálicas que fazem referência às grades de ferro que caracterizam as casas e os espaços públicos de Salvador.

Jorge Amado e Universal: Um Olhar Inusitado Sobre o Homem e a Obra Exposição. Abertura na terça-feira. No Museu da Língua Portuguesa - Praça da Luz, São Paulo. Tel.: 3326-0775. Visitação: de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Ingr.: R$ 6 (grátis aos sábados).




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