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'O Vestido' e´desafio em forma de poema
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
18/04/2004 | 18:28
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Foi em uma mesa de bar – esse altar profano da brasileirice – que o cineasta Paulo Thiago oficializou o convite para que o escritor Carlos Herculano Lopes desenvolvesse um argumento cinematográfico a partir do poema Caso do Vestido, do mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). “No início fiquei indeciso, porque mexer com Drummond é coisa de um peso enorme”, diz o escritor instado, hesitante assumido diante do cânone poético, seu conterrâneo. O titubeio acabou pendurado do mesmo modo que o vestido que desencadeia o conflito no poema drummondiano e também em sua versão romanceada, que a Geração Editorial lança na 18ªBienal Internacional do Livro em São Paulo.

Paulo Thiago espalhou a pólvora cujo rastro queimaria até o presente romance, intitulado O Vestido (200 págs., R$ 29). O fator-faísca foi obra de Herculano, e por razão bastante simples. O autor responde, mineiramente: “A gente precisa ter um desafio nessa vida, senão ela fica muito sem graça”.

Desafio não só em virtude da reverência; O Vestido foi a primeira ficção do autor de Sombras de Julho e A Dança dos Cabelos preparada mediante encomenda. O lançamento em romance, premeditado desde o início pelo autor, segue uma estratégia semelhante à de 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), quando o filme de Stanley Kubrick e o livro de Arthur C. Clarke desaguaram junto ao público quase que simultaneamente. O Vestido, o filme estrelado por Gabriela Duarte, Ana Beatriz Nogueira, Leonardo Vieira e Paulo José, chega aos cinemas do país em 14 de maio.

Ademais, são poucos os graus de separação entre Paulo Thiago, Herculano e Drummond. O cineasta é autor do documentário O Poeta de Sete Faces, semibiografia do poeta de Itabira; o romancista de O Vestido, por sua vez, tem um acervo de coincidências em relação a Drummond: “Nasci na mesma região que ele, no Vale do Rio Doce (MG); Drummond estudou farmácia e meu pai foi farmacêutico; e eu estudei no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, que Drummond também freqüentou anos antes”.

Herculano ainda guarda dois ou três bilhetes que o poeta lhe enviou na adolescência, quando literatura restringia-se ainda a uma possibilidade. “Eram palavras de incentivo, sempre acompanhadas de uma recomendação: ‘Leia muito’”. Foi exatamente o que o ficcionista fez com O Vestido. “(Antes de entregar o romance) Eu o li e reli umas seis vezes. E escrevi e reescrevi o mesmo tanto”.

O Caso do Vestido é poema de cartaz de Drummond, freqüenta as paradas de sucesso tanto quanto Quadrilha e No Meio do Caminho. Gira em torno de uma mãe que narra às filhas o sacrifício que fez em favor do marido, apaixonado pela amante. Simbolicamente, a saga de amor e de doação sentimental está representada em um vestido pregado na parede e todos os personagens são anônimos. No processo de romantização, Herculano nomeou protagonistas e antagonistas e alocou personagens inexistentes no poema. “Apesar da total liberdade com que trabalhei e do trabalho desgraçado que eu tive, o livro mantém a leveza poética”.

Curiosidade de arremate: Herculano teve o conto Estranhas Criaturas adaptado para o cinema por Aron Feldman (1919-1993), gaúcho radicado em Santo André e peça-chave do cinema artesanal no Brasil. O escritor, ao que parece, tem gostado da relação fotolito/película: “Esse casamento de cinema e literatura é muito bom, rapaz”.




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