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Conversa na Varanda - a pseudofragilidade da mulher
Especial para o Diário
06/04/2008 | 07:03
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Ao contrário do homem, que é estimulado a ser independente desde que nasce, a mulher não é criada para defender-se e cuidar de si própria. Quando adolescente, continua sendo treinada para a dependência. Não deve sair sozinha, seus horários são mais controlados, é cobrada a permanecer mais tempo em casa. Por mais que estude e faça planos profissionais para o futuro, alimenta o sonho de um dia encontrar alguém que irá protegê-la e dar significado à sua vida, não dando ênfase a uma profissão que a torne de fato independente.

        O principal objetivo para a maioria continua sendo o casamento, visto como insubstituível fonte de segurança e usado como arma ideológica contra a mulher: “Uma pessoa só se realiza no casamento”; “Uma mulher não pode viver sozinha”; “A verdadeira felicidade da mulher é ter filhos”. Esses slogans são repetidos incansavelmente, mesmo que de forma subliminar.

        Em muitos casos, o movimento de emancipação e as exigências práticas da vida não permitem que a mulher se esconda sob a proteção do pai ou marido. Mas a liberdade a assusta. Foi ensinada a acreditar que, por ser mulher, não é capaz de viver por conta própria, que é frágil, com absoluta necessidade de proteção. Muitas acreditam até que serem sustentadas é um direito que têm pelo fato de serem mulheres.

        Desde a infância, a mulher desenvolve uma grande dúvida interna quanto a sua competência e, quando porventura surge uma chance de conseguir independência, muitas se assustam e voltam atrás. Outras mulheres que acreditam na própria competência muitas vezes temem desapontar as expectativas do homem e representam o papel ‘feminino’.

        Um estudo sobre a masculinidade e a feminilidade a partir de uma perspectiva da infância descreve os estágios da aprendizagem do respeito ao sexo masculino. São eles: afirmação (dos 6 aos 10 anos), no qual as garotas têm rancor dos meninos; ambivalência (dos 10 aos 14 anos), quando as garotas começam a se desviar para o lado dos meninos; e acomodação (dos 14 em diante), no qual as garotas aceitam a “necessidade do apoio masculino”.

        Tanto a mulher que se sente insegura e frágil quanto a que se sabe competente, mas representa o papel feminino para agradar ao homem, são mulheres dependentes. Ambas acreditam necessitar de um homem ao seu lado sem o qual não imaginam poder viver.

        O movimento feminista da década de 1960 fez com que muitas mulheres se rebelassem contra o eterno papel de donas de casa e mães. Muitas, contudo, aceitam ainda servir de tela para os homens projetarem seus desejos. Acabaram convencidas de que seu papel não é o de um ser humano, mas o espelho que reflete o ideal e a fantasia do homem.

        Para a maioria das mulheres, ser mulher significa ajustar sua imagem de acordo com as necessidades e exigências dos homens. “A multidão de atributos expostos nesse papel – maneiras respeitosas, olhar recatado, sorriso constante, entonação crescente, gestos físicos cautelosos, e assim por diante – foi adequadamente chamada de atitudes de acomodação”, pela historiadora canadense Bonnie Kreps.

 Ana tem 45 anos, duas filhas casadas, e está separada há muito tempo. Sustentou e criou sozinha as meninas. Durante três anos, teve um namorado fixo, mas depois que terminaram, há cinco anos, só casos esporádicos. Alimenta grande esperança de encontrar o ‘homem da sua vida’.

        Suas concepções a respeito da mulher, do homem e do amor a consagram como representante máxima do estereótipo da mulher feminina. Estabelece várias regras que acredita torná-la mais atraente para os homens. Recentemente, conheceu alguém que se encaixava perfeitamente no seu ideal. Separado, rico, gentil, dono de uma empresa. No segundo encontro foram ouvir música num bar elegante. Abraçaram-se e beijaram-se. Ao ser convidada para um champanhe no apartamento dele, reagiu como uma virgem ofendida. “Os homens não valorizam as mulheres que vão para a cama com eles no início”, explica. Após cada encontro, aguardava o próximo telefonema dele. Ansiosa, quando tardava, dizia que uma mulher não pode nunca ligar para o homem com quem está se relacionando, num prazo inferior a cinco dias.

        Seguindo à risca sua cartilha, descreve alguns aspectos da sua visão de mulher feminina. “Quando estou com um homem em um restaurante, jamais abro a bolsa. Seria muito deselegante tentar dividir a conta. Os homens não gostam de mulheres que tomam essas iniciativas. Sou muito feminina, romântica mesmo, por isso deixo que eles paguem tudo sempre. E tenho certeza de que um homem só valoriza a mulher que só aceita sair com homem de posição.”

Pobre Ana.

Regina Navarro Lins, psicanalista e sexóloga, é autora de O Livro de Ouro do Sexo (Ediouro). E-mail para a coluna: rlnl@uol.com.br. Site: www.camanarede.com.br




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