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Um terço dos homicídios é causado pela polícia na região

Dos 301 episódios registrados, 92 aconteceram em ações policiais; maioria era jovem e parda

Por Yara Ferraz
Diário do Grande ABC
28/05/2018 | 07:00
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EBC


Um terço do total de assassinatos registrados nas sete cidades em 2017 foi causado por policiais. Foram 301 assassinatos no ano passado, sendo 201 oriundos de homicídio doloso e oito com caráter culposo. Além disso, 92 pessoas perderam a vida durante 82 registros de ação policial no Grande ABC em 2017.

Levantamento feito pelo Diário considera os registros oficiais de homicídios dolosos (quando há intenção de matar), culposos (quando não há) e boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenção policial disponibilizados pela SSP (Secretaria da Segurança Pública) em seu site.

Em quatro anos – entre 2013 e 2017 –, as mortes resultantes da atuação de agentes da Segurança Pública aumentaram 82,22% na região. No ano passado, a maior parte dos registros foi observada em Santo André (32). Na sequência aparecem São Bernardo (26) e Mauá (16). A única cidade que não teve ocorrências do tipo foi Rio Grande da Serra.

Para o professor Newton Oliveira, especialista em Segurança Pública do Mackenzie Rio, qualquer aumento no índice de mortes é preocupante, ainda mais quando acontece de maneira expressiva. “Isso porque o primeiro dever da polícia é proteger rápido. Com o aumento do índice, a população fica mais exposta à violência e os bandidos, mais perigosos”, afirma.

“A eficiência das polícias também é medida pela baixa letalidade. Em primeiro lugar, para que este cenário mude, é preciso que as autoridades reconheçam que estas mortes são um problema”, analisa a professora de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC) Alessandra Teixeira.

PERFIL - Os boletins de ocorrência demonstram que há características em comum em relação ao perfil das vítimas fatais. A maioria delas é jovem (24 dos mortos tinham até 18 anos e 31 tinham entre 19 e 24 anos) de cor parda (48) e com apenas o Ensino Fundamental completo (36). Todos eram homens.

Para a professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo Claudete Pagotto, os dados refletem a desigualdade social da região. “O indicador é reflexo de um histórico que se repete. Revela processo discriminatório não só pela classe social, mas relacionado à raça e aos jovens. Mostra que estamos longe de diminuir a desigualdade social e causa uma preocupação, principalmente com os jovens da periferia, que são os mais atingidos”, ressalta.

Para a professora, a situação atual é preocupante também por conta da crise econômica. “Perdemos recursos públicos para a Educação e Segurança, com cortes de orçamentos, o que acaba interferindo nas áreas sociais. A polícia é o braço armado do Estado e tem que ser educada para garantir a segurança da população.”

FIM DO BÔNUS - Outro ponto que pode contribuir para o aumento da letalidade policial e, por isso, alvo de preocupação dos especialistas, é a retirada do desconto no valor do bônus pago aos policiais civis e militares em caso de alta nas mortes cometidas pelos agentes. A medida foi anunciada no início de maio. A bonificação à classe é dada para aqueles que reduziram os índices criminais (roubo roubo e furtos de veículos e homicídios) nas suas áreas de atuação no quarto trimestre de 2017.

A letalidade também foi recorde no Estado, com 941 pessoas mortas. “Premiar a resolução dos números da criminalidade, considerando a baixa letalidade, é um modelo mais eficaz”, diz Newton Oliveira.

Para Alessandra Teixeira, o Estado acaba deturpando o programa com a decisão. Antes, a redução poderia chegar a até 20% do valor do bônus para os agentes que se envolvessem em alguma ocorrência com morte. “É quase que um incentivo para que a polícia aja com violência. Você desestimula um programa que antes ajudava na redução”, destaca.

OUTRO LADO - Por meio de nota, a SSP informou que a redutora não foi empregada no bônus porque “após análise dos casos, verificou-se que as ações em que ocorreram mortes em decorrência de oposição à intervenção policial se deram em confronto e o índice de criminosos que morreram após essas ocorrências é de 18%, enquanto a vida de 82% dos criminosos foi preservada”. “É importante destacar que o confronto nunca é uma opção do policial, mas do criminoso”, afirma.

Questionada sobre os números de morte em decorrência de ação policial, a Pasta estadual afirmou que desenvolve ações para a redução da letalidade da polícia. “Uma delas foi a implantação da Resolução SSP 40/15, que visa garantir maior eficácia nas investigações de mortes, com o comparecimento das corregedorias e dos comandantes da região, além de equipe específica do IML (Instituto Médico-Legal) e IC (Instituto de Criminalística). Os casos só são arquivados após minuciosa investigação pelas polícias a pedido do Ministério Público e ratificação do Judiciário”, acrescenta. Segundo a Pasta, toda a ocorrência é acompanhada, monitorada e analisada para constatar se a ação policial foi legítima.

Casos de jovem e de jogador da várzea de Sto.André ainda não foram concluídos

O adolescente Luan Gabriel Nogueira de Souza, 14 anos, foi atingido por disparo de um PM (Policial Militar) enquanto passava por uma viela para ir ao mercado no Parque João Ramalho, em Santo André, em novembro do ano passado. José Erlanio Freires Alves, 36, que jogava futebol na várzea andreense, foi morto em janeiro de 2016. Ele estava a caminho do trabalho, no Jardim das Maravilhas, quando foi atingido por disparos de PMs que atuavam em perseguição. Os casos ainda não foram concluídos.

A mãe de Luan, a cozinheira Maria Medina Costa Ribeiro, 43, espera que a justiça seja feita. “A tristeza nunca passa. Estamos lutando para fazer justiça. Agora está nas mãos de Deus. Durante este tempo, eu ainda não aceito o que aconteceu, parece que estou vivendo um pesadelo e que meu filho ainda vai entrar pela porta. Espero que o caso seja concluído em breve”, diz.

Luan caminhava pela viela em direção a um mercado para comprar pacote de bolachas, de acordo com a família e de amigos, quando foi alvejado. Ele teria parado para conversar com grupo de jovens que estava no local. Os policiais alegaram que, após receberem denúncia de uma moto roubada do pátio municipal da cidade, se dirigiram até a viela e foram recebidos com disparos de arma de fogo. Em depoimento, entretanto, o PM que atingiu o garoto admitiu que Luan não estava armado.

Já José Erlanio deixou mulher e três filhos. Ele ia encontrar um amigo, a pé, para pegar carona para o trabalho em Diadema, quando foi atingido por tiros que também mataram um ladrão. Na época, o policial envolvido alegou que não o viu no momento dos disparos, que aconteceram em meio a uma perseguição.

Questionada sobre os dois casos, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado afirmou que a morte de José Erlanio Freires Alves é investigada por meio de inquérito policial instaurado pelo 2º DP (Camilópolis), encaminhado ao Fórum com dilação de prazo. “O policial envolvido foi transferido para Campinas e também responde a IPM (Inquérito Policial Militar) que foi apresentado à Justiça Militar em 11 de janeiro deste ano”, informou em nota.

Sobre a morte de Luan, o inquérito foi relatado em maio e encaminhado ao Fórum com o indiciamento de um policial militar por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). O agente de segurança está afastado das atividades operacionais.

Grande ABC contabilizou quatro militares mortos

De acordo com a PM (Polícia Militar), durante o ano passado foram quatro policiais mortos na região, sendo que todos eles estavam de folga. Neste ano, já foram cinco mortos, nas mesmas condições. Desde 2014, apenas um agente da corporação foi assassinado durante o serviço entre as sete cidades.

A professora de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC) Alessandra Teixeira destaca que o número é indicador de ineficiência policial. “Isso demonstra que (o agente de segurança) não está lidando com confronto, mas com estratégias como extermino ou execução sumaria. É claro que depende de cada ocorrência, mas são números alarmantes em comparação com as vítimas”, diz.

Em nota, a PM reconheceu apenas 45 casos de morte decorrentes de intervenção policial na região no ano passado. “Sempre que há o resultado letal, decorrente do confronto armado, é instaurado inquérito policial militar, que invariavelmente é remetido à Justiça, não obstante são feitos trabalhos para o restabelecimento psicoemocional ao policial através do PAAPM (Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar). A maioria dos confrontos deriva de abordagens e do acompanhamento nos casos de roubos”, observa a corporação.

Segundo a PM, o crescimento no número de abordagens policiais aliado a melhor distribuição do policiamento, conforme os dias, horários e locais de incidência da criminalidade, aumenta a probabilidade de surpreender o infrator na prática criminosa ou logo após praticá-la. “A tônica da Polícia Militar é a de prender o infrator da lei e o resultado morte é sempre indesejado”, afirma.  




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