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Nova chance para a espécie

Um sonho e muito trabalho ajudaram bióloga a reverter a ameaça às aves pantaneiras

Por Andréa Ciaffone
11/12/2014 | 07:00
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 Para quem assistiu no cinema às aventuras de Blu, uma arara-azul criada no Exterior que veio fazer turismo no Brasil, no longa de animação Rio, e sentiu o desejo de conhecer melhor a espécie do protagonista, a grande oportunidade está no Pantanal. O Instituto Arara Azul desenvolveu passeios que levam o visitante a se aproximar dos ninhos da espécie e sentir a sua magia. A experiência fez com que a bióloga Neiva Guedes vivesse uma história digna de cinema.

Mais de 30 araras-azuis pousadas em uma árvore quase sem folhas. A visão deslumbrante tomou conta do coração da jovem bióloga, que não conseguiu disfarçar o entusiasmo e deixou escapar: “Que coisa mais linda!”. Ouvindo isso e vendo os olhos da moça brilharem, o professor que coordenava a visita de campo dos universitários se viu obrigado a entregar a má notícia: “Lindas, mas estão ameaçadas de extinção”. “Isso não pode acontecer!”, retrucou Neiva que, naquele exato momento tomou a decisão que mudaria a vida dela e das araras-azuis do Pantanal.

Esta cena aconteceu há 25 anos, quando o número de araras-azuis no Pantanal era estimado em cerca de 1. 500 indivíduos. Neiva não descansou e pôs mãos à obra pra estudar a espécie, sobre a qual se sabia bem pouco até então. “Não tinha jeito. Era preciso ir a campo e a primeira coisa era conseguir ver o que estava acontecendo nos ninhos. Aí, tive aulas com um especialista norte-americano e rapidamente aprendi”, conta Neiva, que nos primeiros tempos ‘escalava’ familiares, o namorado e colegas para irem com ela para o meio do mato – sempre com a autorização dos donos das fazendas – para procurar os ninhos.“Comecei a atuar na região de Nhecolândia, depois fui alargando a atuação”, diz.

Hoje, a bióloga conta com o apoio de 57 fazendas localizadas no bioma pantaneiro. Como o único jeito para chegar nos ninhos era de (carro) 4x4, desde o começo, a pesquisadora teve o apoio de uma montadora, que cedeu um veículo Bandeirante para o projeto que viria a se tornar o Instituto Arara Azul. Ela acabou virando piloto de testes do carro.

Outro apoio importante para o projeto de Neiva veio de Roberto Klabin, preservacionista de primeira hora e fundador do S.O.S Mata Atlântica, que também é fazendeiro e proprietário do Refúgio Ecológico Caiman, onde o Instituto Arara Azul mantém um posto avançado e também realiza passeios para observação dos ninhos. “O trabalho da Neiva mudou a mentalidade das pessoas da região para a importância de preservar esse ecossistema, deu visibilidade internacional para a espécie e ainda ajudou a população de aves a crescer”, diz Klabin.

Em termos de projeção internacional junto ao público, o grande embaixador da causa é o Blu, do Rio, criado pelo brasileiro Carlos Saldanha, que teve Neiva como fonte para construir os personagens. Já nos meios científicos, a brasileira é considerada uma das maiores autoridades mundiais na espécie. Neiva, entretanto, chama atenção para o fato de que o relacionamento entre Blu e Jade só pode existir na ficção. “As espécies são diferentes e não podem reproduzir entre elas.”

Para os turistas, o período entre setembro e fevereiro traz a possibilidade de ver os filhotes, que nascem com uma penugem branca como a de uma galinha, depois ficam com as penas pretas como urubus, que caem para dar lugar às belas penas azuis, que só começam a aparecer quando elas estão com mais de 30 dias de vida. Passeios organizados pelo instituto permitem ter a experiência de ver de perto os filhotes e até fazer um cafuné nas penas da cabeça dos bebês.

Embora a situação da arara-azul já permita otimismo, a situação das ararinhas-azuis, espécie parecida que tem como habitat o Sul da Bahia, preocupa muito. “No mundo só existem 74 ararinhas-azuis, sendo que apenas nove estão no Brasil. O maior número, 30, fica no Catar, onde um sheik está conseguindo bons resultados de reprodução em cativeiro”, conta Neiva.

Hoje, mais de 3.000 aves são monitoradas pelo instituto, que vivem em 599 ninhos. Estima-se que a população no Pantanal já seja de mais de 5.300 araras-azuis, o que praticamente tira a espécie do risco de extinção naquela região. “Mas, não sabemos ainda se a espécie vai sair da lista de ameaçados. Para nós, seria uma vitória. Aqui no Pantanal, a população cresceu, mas em outras regiões em que a espécie ocorre (Tocantins e Pará</CF>) ainda existem sérias ameaças”, explica Neiva, que conta com o turismo para ajudar na defesa.

Beleza e personalidade que encantam
O azul profundo das penas combinado ao amarelo intenso ao redor dos olhos e do bico fazem da arara-azul uma das criaturas mais belas do reino animal. Adultas, chegam a pesar em torno de 1,3 kg e medir mais de um metro entre o bico e o final da cauda. Mas, além do visual atraente, a espécie, que pertence à mesma família dos papagaios, periquitos e maracanãs, esbanja charme com seu jeito romântico: são monogâmicas, ou seja, os casais vivem juntos a vida toda.

A olho nu, nem os mais experientes biólogos conseguem distinguir os machos das fêmeas. Só um exame de sangue mostra quem é quem. Em termos de comportamento, papai e mamãe têm o mesmo cuidado com o ninho, dividindo tarefas. A taxa de natalidade é pequena, a cada dois anos nasce um filhote, que fica sob o cuidado dos pais por mais de 100 dias, quando começa a voar e a se alimentar sozinho. É na fase em que os filhotes estão nos ninhos que a equipe do Instituto Arara Azul se aproxima para monitorá-los, colocar anilhas de identificação e, muitas vezes, dar uma forcinha para a família, reformando os ninhos para impedir que os ovos rolem ou que o buraco dentro da árvore fique fundo demais, o que impede que o bebê consiga voar.

Este manejo dos ninhos é uma das tarefas mais trabalhosas da equipe de Neiva Guedes, mas é a que rende maior prazer porque permite o contato direto com as aves. Além de fiéis e discretas, as araras têm hábitos constantes: costumam reproduzir nos mesmos ninhos ano após ano, sendo que 95% deles são na mesma espécie de árvore, o manduvi. Já a alimentação também é restrita. Elas só comem castanhas de dois tipos de palmeiras: o avuri e a bocaiúva.

Por isso, o Instituto Arara Azul se empenha tanto em conscientizar os fazendeiros e a população sobre a importância de preservar essas árvores. Neste ano, foi lançado o programa Adote um Ninho, em que pessoas físicas ou jurídicas podem, por R$ 10 mil anuais, ajudar na manutenção dos ninhos e, entre outras contrapartidas, dar nomes aos filhotes, Famosos como Almir Sater e Ziraldo já aderiram.




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