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Registros de automutilação disparam no Grande ABC

Especialistas apontam que ocorrências estão relacionadas a sofrimentos emocionais intensos

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
08/12/2019 | 07:00
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Pixabay


Cinthia é uma garota de 11 anos. Boa aluna em uma escola pública, está aprendendo a dedilhar o violão e gosta de brincar com os vizinhos. É improvável que alguém que a conheça saiba que está em tratamento contra depressão e que, nos últimos cinco meses, em duas oportunidades, cortou levemente os pulsos em momentos de desespero. A história é narrada pela mãe, Sonia, em meio a lágrimas e, faz questão de frisar, culpa. Assim como Cinthia, ao menos 160 jovens até 18 anos se automutilaram ou autolesionaram neste ano no Grande ABC. Ao todo, foram 503 notificações, média de três a cada dois dias. Com relação a 2018, o aumento foi de 93,4%. 

Esses são os casos mais graves que chegam aos serviços de saúde. Os mais simples, mas não menos preocupantes, como de Cinthia, raramente são notificados. “O que é registrado pode ser a ponta do iceberg”, detalhou o psicólogo Roberto Débski. 

O profissional ponderou que o aumento tanto pode estar associado a maior frequência nos casos quanto à melhora das notificações. “É preciso que a família esteja atenta aos jovens, às mudanças de comportamento.”  

Psiquiatra da infância e adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Marcos Ribeiro explicou que as funções das autolesões são de regulação de estados emocionais, como raiva, ansiedade depressão e servem como gatilho para mudança de pensamento (até interromper pensamentos suicidas, já que nem todo ato tem com objetivo o suicídio). Além de ser considerado sintoma de transtornos mentais, o especialista destaca que o ato também pode ser o transtorno em si. “É difícil traçar um perfil da pessoa que recorre a atos automutilatórios, mas, geralmente, são indivíduos com dificuldades de regulação emocional ou de habilidades sociais”, afirmou.

Psicóloga com especialização em avaliação psicológica e neuropsicológica pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Elaine de Sarno destacou que os casos de autolesão ocorrem de maneira imprevisível, após um sentimento forte de angústia, raiva, tensão, tristeza ou ansiedade. “A automutilação é um ato compulsivo, que pode ser realizado para libertar-se da dor emocional. Na maior parte das vezes, quem se mutila está em busca de uma saída, de extravasar emoções negativas, não de causar a própria morte.”

Elaine detalhou que a maior incidência é na adolescência e entre jovens adultos, de 12 a 30 anos, sendo mais frequente em meninas. “Essa etapa do desenvolvimento é um período de maturação que sofre influências sociais, culturais e ambientais, com exposição a diferentes situações de vulnerabilidade à sua saúde.”

Cinthia, apesar de não constar nas estatísticas oficiais, se enquadra em todos os perfis descritos pelos especialistas. Sua mãe relatou que a garota está em tratamento com psicólogo e psiquiatra e também está sendo medicada com antidepressivos. “Tento reforçar com ela que o que quer que esteja sentindo vai passar e que estarei ao lado dela para o que for preciso. Mas é bastante difícil não me culpar e não ficar imaginando o que eu não vi antes, apesar de sermos muito próximas”, concluiu. 

O Diário usou nomes fictícios para preservar a identidade das personagens.

Terapeuta familiar sugere medidas psicoeducativas como tratamento 

Os atos de autolesão ou automutilação desafiam médicos e angustiam pais e responsáveis. A psicóloga e terapeuta familiar Bete Monteiro ponderou que o tratamento para prevenir novos casos e ajudar as pessoas a saírem do estado de angústia passa por intervenções psicoeducativas.

Segundo a profissional, terapias em grupos, palestras e workshops, mesmo para crianças, têm bons resultados. “Mais do que a terapia individual, essas atividades vão promover que as pessoas se apropriem dos conhecimentos da psicologia, para se emanciparem e aprenderem a lidar com os sentimentos”, defendeu.

Bete alertou que os atos autolesivos, muitas vezes, são pouco validados ou mesmo ignorados por familiares e profissionais de saúde. “Na adolescência tudo é muito intenso e essa pessoa está tentando sobreviver e lidar com as emoções. Podem achar que é só para chamar a atenção, quando na verdade, é a busca por uma dor física que seja possível de estancar, medicar, o que não ocorre com a dor emocional.”




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