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Neopaganismo e Esperança Cristã
Do Diário do Grande ABC
12/12/2016 | 07:00
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A respeito da reportagem que mostra o resultado da pesquisa encomendada pela Igreja Católica, e que expõe a evasão de católicos e o crescimento do número de ateus (9,4%), o que é mais preocupante, faço a reflexão que segue. É lógico que se deve levar em conta o tanto que a Igreja deve melhorar, corrigindo e primorando-se na missão evangelizadora, mas há, a meu ver uma motivação de fundo para se ter chegado a esta situação.

Não devemos ceder ao saudosismo que diz ter sido melhor o ontem do que o hoje. O realismo impõe admitir que em todas as épocas existiram pessoas boas e más, circunstâncias que ajudaram a construir um mundo melhor, e outras, que de forma negativa contribuíram para o atraso. Por outro lado, a noção grega do eterno retorno que entregava a sorte do mundo a um destino inexorável, um mundo “semper idem”, não parece uma ideia correta diante das transformações pelas quais passamos de algumas décadas para cá.

A humanidade se move, caminha e por isso tem marcha, contramarcha, marcha a ré. Ás vezes tem saudades de etapas superadas. Refiro-me à volta do paganismo em nossa sociedade que aos poucos vai rejeitando os princípios cristãos. Pagão era a denominação das pessoas que moravam no campo ou aldeias (pagus), e que não tinham tido oportunidade de receberem a mensagem cristã, ou que a rejeitavam. Em um mundo violento como aquele no qual o Estado legislava sobre a justificação do infanticídio, e era legal divertir-se nos circos jogando pessoas para serem devoradas pelas feras, é inegável a contribuição do cristianismo para a existência de uma sociedade mais justa e fraterna.

O cristianismo vai introduzir a ideia da sacralidade da vida humana, da compaixão para com os fracos e sofredores, o milagre da partilha dos bens nas comunidades onde as pessoas se queriam como irmãos e irmãs, vai propor um novo relacionamento entre o homem e mulher, fundado no amor. O cristianismo vai colocar Deus acima de tudo, até o martírio. De fato, o que faz o mártir não é seu sofrimento, mas sua causa e no cristianismo o Reinado de Deus é a causa do cristão.

O neo paganismo se faz sentir na atualidade através do reinado absoluto do dinheiro que decretou a morte de Deus. A erotização de todos os setores e etapas da vida até a difusão da pedofilia, narcisismo, droga e violência. O homem se olha no espelho e exclama: sou Deus para mim mesmo! O ser humano não só pensa, mas “faz sua verdade”, e pretende por e dispor da vida como se fosse seu autor. A banalização da vida humana, eis o traço mais característico do que parece ser uma recaída no paganismo.

Nossa civilização, dominada pelo racionalismo iluminista decretou a “morte do Pai”: a razão nos liberta de tudo e de todos, não precisamos mais de autoridade! A morte de Deus (Pai), foi colocada como condição para a felicidade do homem. Este deve pautar sua vida pelo secularismo e ateísmo prático.
A globalização sem solidariedade está criando dois mundos antagônicos: o mundo dos ricos no qual se morre de tédio e o mundo dos miseráveis no qual se morre de fome. Como não pensar na vida condenada de milhões de pessoas, especialmente crianças sujeitas à fome e à desnutrição, causada pela iníqua distribuição de riquezas entre povos e classes sociais?

Os crimes ecológicos e a violência institucionalizada? Desencadeia-se uma “conspiração contra a vida” em uma civilização de morte como alertava João Paulo II. A sociedade sem a figura do Pai (Deus) resulta em uma multidão de solitários, faz surgir o “pensamento fraco” em uma “sociedade líquida” que gera vazio. A parábola do Filho Pródigo é paradigmática neste sentido.
A situação está assim, mas não impede os cristãos de celebrar a vida com esperança renovada. Mais que nunca a missão do cristão hoje é transmitir a esperança que brota da fé. Como diz o poeta: “Está escuro, mas eu canto”. Com uma criança que nasce em Belém, com Jesus, o mundo volta a começar, pois na escuridão brilhou uma luz que ninguém poderá apagar. É o mundo de Deus que cresce em meio ao paganismo, cresce no coração das pessoas de boa vontade. É a semente de mostarda, escondida muitas vezes, mas que frutificará cem por um e se alastrará a partir daqueles que sabem dar esperança ao mundo.


Dom Pedro Carlos Cipollini é bispo diocesano de Santo André. 




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