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'Lula teve comportamento esquizofrênico'
Cristiane Bomfim
Do Diário do Grande ABC
13/07/2009 | 07:04
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Considerado dissidente do PMDB por não ter aprovado a eleição do colega de partido José Sarney à presidência do Senado, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) continua não poupando críticas à crise na Casa e parte para um caminho oposto ao do partido que fundou, que é o de apoio incondicional ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de afirmar que a escolha de Sarney como presidente da Casa seria um retrocesso e lamentar ter "as preocupações confirmadas pela realidade", ele agora defende o afastamento do senador do cargo para minimizar os efeitos da crise. "Quando o presidente perde as condições políticas de governar, a melhor decisão é deixar o cargo."

Nem Lula ficou de fora dos ataques de Jarbas Vasconcelos. "O presidente disse inicialmente que não iria se envolver na crise do Senado. Esta seria a posição mais responsável. Depois interferiu diretamente, fazendo com que a bancada do PT rejeitasse a defesa do afastamento do presidente Sarney. Em seguida afirmou que não existe crise nenhuma. É um comportamento meio esquizofrênico ou mal intencionado". Para ele, o comportamento de Lula não tem respeitado as regras da democracia com a luta já travada pelo PT para eleger a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à presidência do País. Veja os principais trechos da entrevista concedida por e-mail ao Diário.

DIÁRIO - Em fevereiro, durante entrevista para a revista Veja, o sr. afirmou que se o Sarney fosse presidente do Senado ele o transformaria em um "grande Maranhão". Depois de tantas denúncias, como o senhor vê a crise?
JARBAS VASCONCELOS - A situação do Senado é péssima. O desgaste da Casa chegou a níveis nunca antes vistos, ainda mais com a agilidade da informação que existe hoje, por meio da internet e da própria TV Senado. O presidente Sarney não deveria ter entrado na disputa pelo comando da Casa. Ele mesmo disse que não desejava, mas terminou convencido pelo seu grupo. E deu no que deu. Não pense que fico satisfeito em ter minhas preocupações confirmadas pela realidade.

DIÁRIO - O que o sr. achou de o presidente Lula ter saído em defesa do Sarney?
VASCONCELOS - O presidente Lula disse inicialmente que não iria se envolver na crise do Senado. Esta seria a posição mais responsável, mais republicana, como gostam de dizer hoje em dia. Depois interferiu diretamente, fazendo com que a bancada do PT rejeitasse a defesa do afastamento do presidente Sarney. Em seguida afirmou que não existe crise nenhuma. É um comportamento meio esquizofrênico ou mal intencionado. O problema é que com a popularidade em alta, o presidente acha que pode tudo. E não é assim que as coisas funcionam na democracia. Existem regras que precisam ser seguidas, sob o risco de virarmos a República das bananas. A independência dos poderes é uma delas. O problema é que o governo não faz com o Senado o que faz com a Câmara, que é passar o rolo compressor sobre a oposição. Então, até acho que o presidente gosta de ver o Senado fragilizado, enfrentando escândalos diários.

DIÁRIO - O senhor defende o afastamento de Sarney da Presidência do Senado. Isso acalmaria a crise?
VASCONCELOS - Vivemos em um sistema presidencialista. Quando o presidente perde as condições políticas de governar, a melhor decisão é deixar o cargo. Mas a renúncia é um gesto unilateral. O que não podemos aceitar é que o Senado enfrente essa sangria sem tomar nenhuma providência. Aceite isso sem reação. Essa insistência em se manter na presidência do Senado é ruim para o presidente Sarney, mas é pior para o Senado. Agora é um erro dizer que a oposição deseja afastar Sarney. Não é verdade. Existem senadores de partidos da base aliada, como PDT e PSB, que insistem que a saída do atual presidente é a única maneira de encaminhar uma solução para a crise. As pessoas se esquecem que eu e o PSDB, apesar de ser oposição, apoiamos a candidatura do senador Tião Viana (PT-AC) à presidência do Senado. Fizemos isso porque estávamos convictos de que Tião tinha compromisso em mudar a estrutura administrativa da Casa. Se Sarney renunciar, caberá ao PMDB indicar seu sucesso. Isso ocorrerá sem traumas.

DIÁRIO - Atos secretos, a Casa oculta de R$ 4 milhões e agora o desvio de dinheiro da Fundação Sarney. O senhor acha que aparecerão outros escândalos?
VASCONCELOS - É uma temeridade tentar fazer profecias sobre o que vai acontecer no Senado. Todo dia tem alguma coisa nova. Essa nova denúncia sobre a Fundação Sarney me parece que foi muito bem apurada pela imprensa e mostra também o quanto a atual diretoria da Petrobras precisa explicar sobre a forma como gasta o dinheiro da empresa.

DIÁRIO - As denúncias a ‘conta-gotas' são demonstração de um jogo político de troca?
VASCONCELOS - É evidente que existe uma estratégia de quem está no poder de jogar todo mundo na vala comum. Mas é bom lembrar que esse tipo de estratégia foi adotada pela primeira vez pelo próprio presidente Lula, quando saiu em defesa dos mensaleiros, dizendo que caixa dois era uma prática comum no Brasil. Uma pessoa como o presidente da República, que serve de referência para todo o País, não pode relativizar a corrupção, não pode chegar e afirmar que sempre foi assim. Ele foi eleito com o compromisso público de fazer política de uma forma diferente, de mudar o status quo. Sempre digo que o PT não inventou a corrupção e as irregularidades no Brasil. Mas a postura leniente do presidente e do partido serviram para criar esse quadro de degradação da política que vemos hoje.

DIÁRIO - A abertura da CPI da Petrobras marcada para terça-feira é mesmo uma maneira de desviar o foco de Sarney? O senhor acha que ela vai terminar em pizza?
VASCONCELOS - O que eu sei é que a oposição recebeu centenas de denúncias de todo o País sobre supostas irregularidades cometidas pela atual diretoria da Petrobras. Tem de acabar com essa história de que a CPI é contra a Petrobras. Ela é contra os abusos que a atual diretoria da estatal tem cometido. A própria imprensa já publicou muita coisa. Há investigações em andamento pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União. Essa é uma gestão que pode terminar comprometendo a saúde financeira da empresa que é um patrimônio de todos os brasileiros. Não é uma empresa para servir aos interesses do PT, do PMDB ou de qualquer outro partido.

DIÁRIO - A aceitação da base governista pela CPI da Petrobras é uma demonstração de preocupação com o caso Sarney? Esse escândalo pode realmente comprometer a disputa da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência do País, caso haja um racha com o PMDB?
VASCONCELOS - Prefiro não acreditar que exista um interesse menor no fato de o presidente Sarney ter acatado a criação da CPI da Petrobras. Talvez seja um sinal de que o Sarney tenha percebido que essa situação compromete sua própria história política. Talvez ele hoje perceba que foi levado a um grande equívoco, quando aceitou presidir o Senado mais uma vez. A atual crise não tem nada a ver com a sucessão presidencial de 2010. Quem diz isso está querendo dar uma conotação que não existe, a começar do presidente da República, que ultimamente só pensa em viajar e em armar palanques para a ministra Dilma Rousseff. O Senado não pode ser sacrificado em um altar em benefício da candidata do presidente da República. Há 17 anos um presidente da República (Fernando Collor de Mello, hoje do PTB-AL)foi afastado do cargo e o Brasil sobreviveu. E até melhorou bastante.

DIÁRIO - Essa é a pior crise que o Senado já viveu?
VASCONCELOS - Com certeza é a maior crise da história do Senado, mas acredito que se o bom senso prevalecer, sairemos mais fortes e com uma estrutura administrativa e prática política mais transparentes e menos patrimonialistas. Também espero que as posturas mudem. Que não interpretem o embate político como meras críticas pessoais. Mas é bom separar o joio do trigo: separar quem cometeu um erro e que tinha uma prática distorcida. Jogar todo mundo na lama só ajuda quem quer continuar cometendo desvios sob as sombras.

DIÁRIO - O recesso parlamentar pode esfriar a crise?
VASCONCELOS - É ilusão acreditar que as coisas funcionam assim. Disseram que o Carnaval serviria para aplacar a entrevista que dei à Veja. Não deu certo. Até hoje aquelas palavras continuam ecoando seis meses depois. A opinião pública e a imprensa estão atentas a tudo que acontece e a agilidade da informação cria uma onda de indignação difícil de conter.

DIÁRIO - Depois das declarações de que o PMDB é um partido corrupto, de que a escolha do Sarney para a presidência do Senado foi um retrocesso, e o pedido para que ele se afaste do cargo, qual sua situação na legenda? Há possibilidade de o senhor abandonar o partido?
VASCONCELOS - Não é uma situação confortável fazer parte de uma pequena dissidência, que é contra o apoio do PMDB ao governo Lula e também questiona as formas que as coisas são conduzidas no Senado. A consequência dessa postura foi o meu afastamento da Comissão de Constituição e Justiça por parte do líder Renan Calheiros. Mas a vida é assim mesmo. Deixar o partido eu não deixo. Fundei o MDB em 1966 e também o PMDB. E sair agora para ir para onde? Só deixaria o PMDB no âmbito de uma reforma política séria, que abrisse espaço para a reformulação ampla do quadro partidário brasileiro.




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