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Literatura sob o impacto da guerra
Por Ricardo Lísias
Especial para o Diário
12/09/2007 | 07:05
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No último Seminário Avançado discutimos a influência da literatura brasileira na prosa e na poesia dos países africanos de língua portuguesa.

No próximo encontro, que será realizado sábado (15), na Casa da Palavra (tel.: 4992-7218), em Santo André, a partir de 15h, faremos o caminho contrário e procuraremos compreender como a literatura portuguesa viu-se violentamente inclinada a pensar o impacto que as guerras de colonização na África causaram na sociedade portuguesa.

O objetivo é o de estabelecer pontos de contato entre as três tradições literárias para, então, discutir de forma concreta as principais manifestações na África.

No início do filme Capitães de Abril, da diretora portuguesa Maria de Medeiros, uma série de corpos humanos calcinados aparece antes de vermos o início da revolta militar que derrubaria, horas depois, o ditador Marcelo Caetano e o regime de exceção que governou Portugal por décadas.

A imagem refere-se diretamente à guerra que a ditadura fazia questão de manter nos territórios africanos ocupados. Marcelo Caetano deixou Portugal para o exílio (aliás, no Brasil...) no dia 25 de abril de 1974.

Por essa época, os países africanos colonizados pelos portugueses libertaram-se. O poeta Agostinho Neto, por exemplo, declarou Angola um país independente em 1975. Moçambique tornou-se livre no mesmo ano.

Guiné-Bissau já havia declarado independência em 1973. Ruindo a ditadura, os países africanos também se viram livres da colonização, o que demonstra que os dois processos estão incontornavelmente associados.

Ainda que o trauma esteja presente em parte grande de toda a literatura portuguesa, sem dúvida nenhuma é na prosa de António Lobo Antunes que as guerras na África se manifestam de forma mais intensa.

Livros como Os Cus de Judas e sobretudo Esplendor de Portugal descrevem, em uma arquitetura formal profundamente sofisticada, o horror e a completa insanidade em que Portugal insistia em se colocar nos países africanos.

Além da loucura por si só que é qualquer conflito bélico, Lobo Antunes compreende bem a falta de sentido de uma sociedade pouco desenvolvida achar que tem alguma possibilidade de ocupar outra terra e dominar um povo, já que nem do seu ela é capaz de cuidar.

Insanidade - O grau de terrível desatino também é o foco de dois romances notáveis de Gonçalo Mendes Tavares: Jerusalém e Um Homem: Klaus Klump. Os livros, a princípio, se referem aos traumas da Segunda Guerra Mundial. Fica fácil observar, porém, que a alegoria reside na demonstração do estado de insanidade a que as pessoas podem chegar em determinadas situações.

Os livros são fortemente metonímicos e fica claro que o hospício em que se passa grande parte de Jerusalém talvez não seja exatamente um hospital, ou ao menos não apenas ele.

Outro autor que teve parte da obra marcada pelo horror é o poeta Herberto Helder. Cobra, um conjunto de poemas escritos justamente à época da Revolução dos Cravos, constrói, através de versos fortemente imagéticos, um estado de desolação e abandono, sufocante e soturno.

A presença do fogo, do gás e da repetição de palavras relacionadas ao “abismo” constrói um ambiente praticamente infernal.

Enfim, o foco do Seminário do próximo sábado será exatamente a tentativa de observar como a literatura portuguesa marcou-se com o trauma africano, constituindo assim um triângulo cujo vértice é a língua portuguesa.

Os Seminários Avançados sobre a Literatura Universal Contemporânea são uma iniciativa conjunta da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, da Escola Livre de Literatura, do Centro Universitário Fundação Santo André e da Casa da Palavra, com apoio do Diário. Iniciados em agosto de 2005, já ultrapassam 4.000 participantes. A entrada é franca.

Ricardo Lísias, 31 anos, é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. Escreveu, entre outros títulos, Dos Nervos (Hedras, 2004), Duas Pracas (Globo, 2005) e Anna O. e suas Histórias (Globo, 2007).



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