Política Titulo Entrevista da semana: deputado federal Alexandre Padilha
'O PT precisa deixar de ser analógico'
Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
21/12/2020 | 00:50
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André Henriques/DGABC


Deputado federal pelo PT, ex-ministro da Saúde e candidato do partido ao governo do Estado em 2014, Alexandre Padilha diz que cenário para o petismo, pós-eleições municipais, é menos catastrófico do que o visto em 2016. O parlamentar festeja as vitórias em Diadema, com regresso de José de Filippi Júnior, e em Mauá, com o vereador Marcelo Oliveira, mas admite que a legenda precisa fazer reflexão para o futuro. Para ele, a sigla ainda tem cabeça dos anos 1980, quando foi criada, sem se modernizar. “O PT precisa deixar de ser analógico”, cobra o petista, pedindo que lideranças vão às redes sociais, às ruas, se conectem com as comunidades e busquem unidade com a esquerda. 

Como o senhor analisou o resultado das eleições municipais deste ano?
O grande derrotado nas eleições foi o (presidente da República, Jair) Bolsonaro (sem partido). O Bolsonaro pretendia criar partido para disputar as eleições, tentou criar e não conseguiu. Antes do campeonato começar perdeu na pré-temporada. Não conseguiu criar seu partido, declarou apoio explícito a vários candidatos no primeiro turno e não teve sucesso em nenhum deles. O maior exemplo na Região Metropolitana de São Paulo foi a situação do Celso Russomanno (prefeiturável pelo Republicanos na Capital, quarto colocado na etapa inicial). Teve situação, no segundo turno, de nenhum candidato de expressão maior ter colocado ele na (campanha da) TV. O grande derrotado é o Bolsonaro.

Mas e para o PT? Qual saldo?
O PT tinha sofrido derrota de 7 a 1 em 2016 (em alusão à goleada sofrida pela Seleção Brasileira diante da Alemanha, na Copa do Mundo de 2014). Tinha caído muito o número de votos, caído em (volume de) prefeituras. Em 2016, o PT viveu situação de várias pessoas nem sequer quererem se candidatar, outras saíram do PT para ir a outros partido. (Agora, o) PT aumenta número de votos nacionalmente, aumenta número de vereadores, perde prefeituras, mas recupera no Grande ABC as cidades de Diadema e Mauá (com José de Filippi Júnior e Marcelo Oliveira, respectivamente). Onde conseguiu defender legado, teve participação importante. Tem a segunda maior bancada de vereadores do Grande ABC. Se em 2016 o PT tinha perdido de 7 a 1, em 2020 não acho que tenhamos que cantar vitória, mas o PT foi para disputa, empatou em vários lugares, ganhou em outros. E se a gente perdeu, foi por pênaltis. Em alguns lugares acho que não escolhemos o melhor candidato para a situação da eleição, que foi diferente. As pessoas não poderiam fazer aglomeração, o (ex-)presidente Lula não poderia fazer ato de rua. No Grande ABC, ele sempre fez caminhada em Santo André, visitou o comércio em São Bernardo. São várias ações que costumamos fazer em eleições de rua e não pudemos fazer agora. Candidatos novos que tinham de ser apresentados na eleição tiveram dificuldade de se apresentar, de crescer. Candidatos novos, sem recall, tiveram resultados muito ruins. Outros lugares onde o candidato defendia o legado e não precisava se apresentar, fomos melhores. Em Diadema, tivemos o Filippi. E em Mauá, o Marcelo batia na porta falando o que o Oswaldo (Dias, prefeito em três oportunidades) fez, falando que o PT tinha de voltar. Marcelo tinha visibilidade por ser o único vereador que não foi acometido por conjunto de escândalos. Eleição traz aprendizados para o PT. A gente sabe que a eleição municipal não necessariamente retrata o que vai ser a eleição nacional. Exemplo em 2016. O PT perdeu de 7 a 1, dois anos depois o PT estava no segundo turno (da corrida presidencial), o (Fernando) Haddad (presidenciável do partido) fez mais de 48 milhões (de votos), elegemos a maior bancada federal e vários governadores. Não vejo que isso (saldo das eleições municipais) é aprendizado exclusivo para a eleição presidencial. É para lutar diária. O PT precisa deixar de ser analógico. Estamos no século XXI. (É preciso rediscutir) Formas de comunicação, de conversa, de participação das pessoas, consulta da militância, temos de ser muito mais ágeis. São coisas que o PT precisa exercitar. Não é desafio só do PT, é da esquerda e no mundo inteiro. Esse tema de forma de comunicação é desafio para o movimento sindical, para movimentos sociais. Como se dialoga com metalúrgico que entra na fábrica com fone de ouvido e que deixa seu posto de trabalho correndo para ir à faculdade? Como se dialoga com trabalhadores de empresas de aplicativo sem uma sede física? Como provoca reunião, como organiza? Há necessidade de abrir espaço para renovação. Fiquei feliz em Mauá ao ver o presidente do PT, uma jovem revelação, se eleger vereador, o Júnior Getúlio. O Marcelo Oliveira é metalúrgico, filho de metalúrgico, com história importante, se elegeu prefeito. Tanto Filippi como Marcelo terão vice mulher. A Patty Ferreira e a dona Celma Dias. A participação da mulher, da juventude, o debate sobre o racismo. Tem temas muito importantes que o PT precisa assumir. É o grande aprendizado da eleição.

As eleições indicam que o antipetismo persiste em parte da sociedade. Diante disso, é necessário o PT debater profundamente não ter candidato próprio à Presidência se o foco for impedir a reeleição de Bolsonaro?

Acho que não pode começar uma conversa como essa falando em excluir cabeça de chapa. Quem quer fazer isso não quer conversar. O Grande ABC é prova disso. Foi com PT sendo cabeça de chapa, pelo legado que tem, que ganhamos com Filippi, que ganhamos com Marcelo Oliveira. PT tem legado no Brasil. A conversa não pode vetar nada. A esquerda tem obrigação de conversar. Quando a esquerda não está unida, quem mais sofre é o povo. O sofrimento atual do povo, o nível de desemprego, volta da pobreza, fechamento de serviços de saúde, a desvalorização da educação, no caso do Grande ABC, a falta do repensar as atividades econômicas da região. Muitas vezes vejo que esse debate vai para um lado que o PT não defenda seu legado. Todo mundo tem direito a defender o legado. Nunca vou deixar de defender que, quando ministro da Saúde, colocamos médico em cada região periférica e comunidade vulnerável do Grande ABC, com o Mais Médicos. No Jardim Oratório, em Mauá, na periferia de Diadema, em Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires. Nunca vou deixar de falar da estruturação da rede de saúde de São Bernardo. Antes da gestão do (Luiz) Marinho nem o Samu funcionava. Colocamos Samu, fizemos o Hospital de Clínicas, unidades básicas de saúde. Não vamos deixar de falar sobre isso. É o nosso legado, não vamos esconder. Não vamos fazer como fez o Bruno Covas (PSDB, prefeito reeleito da Capital), que escondeu o (governador João) Doria (PSDB) na eleição. Não mostrou o (ex-governador Geraldo) Alckmin (PSDB), o (senador José) Serra (PSDB), o FHC (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, PSDB). Temos orgulho de tudo o que o (ex-)presidente Lula significou para o Grande ABC. Não estamos parados no legado e não vamos ficar parados.

Qual peso que as gestões de Filippi e Marcelo terão na estratégia do PT em buscar a volta do protagonismo na política?
Tenho certeza que serão duas gestões muito bem-sucedidas. Vão reaquecer no coração do povo do Grande ABC a diferença que faz ter o PT governando as cidades. Vão mostrar aos mais jovens que muitas vezes não se lembram da transformação de Diadema, de Mauá. Embora, por onde caminhei, junto do Filippi ou do Marcelo, as pessoas sabiam bem que o PT que fez, o que fizeram o Filippi, o Oswaldo. Vamos poder reaquecer no Grande ABC inteiro a chama de como o PT sabe governar, para a maioria da população, com propostas inovadoras, para transformar as cidades.

E o peso das derrotas em Santo André e em São Bernardo?
Fico triste pelas cidades. Tanto em Santo André quanto em São Bernardo, a gente enfrentou a situação igual de várias cidades, com governos que estavam no mandato, que poderiam ser candidatos à reeleição com máquina absurda para poder fazer ações. Utilizaram esse poder econômico. Acho que tem questão importante que é a própria situação da pandemia de Covid, ela criou ambiente mais propício para a reeleição. Isso fez com que não pudéssemos eleger o companheiro Marinho e a companheira Bete Siraque. Marinho é presidente estadual do PT, foi ministro do Lula, companheiro valoroso, não só no Grande ABC, mas no Estado de São Paulo. A Bete Siraque é mulher de fibra, de coragem, tive trabalho muito próximo dela quando foi da comissão de saúde da Câmara. Fizemos debate do impacto às mulheres com a reforma da Previdência. Ela terá muitas tarefas pela frente também.

O antipetismo arrefeceu?
Fiz campanha em 2018 a deputado federal. Mesmo em 2014, quando fui candidato ao governo do Estado, senti o antipetismo menos forte nesta eleição do que foi nas outras, principalmente com a de 2016. O que a gente viu de manifestação de antipetismo nas ruas é a turma do ódio, do bolsonarismo, já é antipetista. Ouvi em Diadema, em Mauá, em cidades onde a gente venceu, preocupação de muitos militantes e dirigentes. Para enfrentar isso, primeiramente a gente precisa ter essas duas gestões bem-sucedidas e tenho total confiança nos nossos dois prefeitos, nos quadros. A disputa não acontece só na eleição. Precisa ser combatido a partir de hoje, passada a eleição. Uma coisa que não pode acontecer é que durante a eleição, candidatos a vereadores do PT se organizarem exclusivamente para fazer visita, para atividade de rua, sem colocar em rede social. Tem companheiro que nunca tinha mexido nas redes sociais. Teve gente que aprendeu a fazer TikTok. O que não pode é passar a eleição e desfazer. Precisa ampliar a presença nas redes, fazer mais TikTok, reels (do Instagram), fazer debate, presença na rua. Eu estou na redes, mas é preciso estar nas ruas, nas comunidades. A melhor forma de enfrentar o antipetismo é ser petista os 365 dias do ano, durante os quatro anos, estar nas rua e nas redes defendendo o que estamos fazendo, ouvindo pessoas, sendo humildes.

Como ex-ministro da Saúde, como o senhor vê a politização em torno da vacina?

A gente precisa de estratégia de vacina para todos. Para fazer isso, quanto mais projetos de vacinas no Brasil incorporados para o SUS, melhor, para alcançar a meta. Tem vacina que pode aplicar em adulto, mas não em gestante, não em idoso. A da Pfizer é preciso se armazenar a -70ºC. Ela pode estar nos grandes hospitais. Poderia vacinar todos os profissionais e usuários dos hospitais com ela, e isso pode significar 10% da população. Não pode perder oportunidade, de nenhuma vacina. É preciso buscar todas elas, todas as técnicas, de vacinação ampla. Mas o governo Bolsonaro é de irresponsabilidade sem tamanho. O mundo inteiro está estarrecido com o que acontece no Brasil. Eu digo que o Brasil não tem essa de primeira ou segunda ondas. O Brasil vive uma pororoca, com uma onda atrás da outra.
 




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