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O povo escreve
Por Rodolfo de Souza
18/04/2019 | 07:00
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O povo escreve para o ex-presidente. Alguns, pelas mãos de outros, porque não descobriram ainda o segredo da palavra escrita, com todo o seu fascínio. Mas eles sabem. Embora não dominem a formação de sílabas que constroem palavras, eles entendem muito bem o que se passa, simplesmente porque sua natureza humana lhes concedeu o pensamento, como bênção ou como castigo, não sei bem. Mas é o que lhes basta, segundo sua maneira rude de ver as coisas e discernir sobre o seu significado.

E a esperança, alimento que sobra em sua prateleira, supre de coragem e determinação seus espíritos calejados. Falo de algo tão grande quanto o próprio pensamento, que dá a eles uma visão mais otimista do futuro, logo ali adiante.

Não é segredo para ninguém que tudo vai de mal a pior nesta terra de meu Deus. Nem do olhar dessa gente passa despercebida a ruína de sua pátria, mesmo que encontrem alguma dificuldade para entender o motivo de tanto sofrimento, em contrapartida à riqueza que desfila impávida e empertigada, bem diante de seus olhos. Sabem somente que a alguns fora concedido o direito ao conforto e à ostentação, enquanto que para outros sobrou apenas o infortúnio de uma vida de privações. Mas eles esperam. É só o que podem fazer, afinal.

Claro que criar polêmica em torno de assunto tão delicado, tem lá sua razão de ser. Este, que deveria tocar o coração de quem não tem, foi matéria que vi dias destes em jornal, cujo nome me foge à lembrança, e que falava a respeito de um grupo de pessoas reunidas na capital federal da província do sul, lá nas proximidades do prédio em que se hospeda, contra a vontade, um homem, outrora presidente. Esse povo, humilde por natureza e pela força das circunstâncias, desejava tão somente escrever ao preso para que ele soubesse que não fora esquecido por sua gente.

Até porque, muitas cartas chegam, todos os dias, às mãos daquele que consideram seu eterno líder. São políticos, artistas, intelectuais, personalidades daqui e do mundo, que lhe escrevem, prestando solidariedade. E as pessoas de parca escolaridade, objeto da referida reportagem, que não arredam o pé das cercanias, gente simples e boa do meu país, não haveria de ficar de fora, e cometer a desfeita de não se pronunciar por escrito, em missiva cheia de adjetivos que estimulassem o presidente a continuar lutando. Chegou mesmo a pensar, esse povo, que seu clamor diário em defesa dele não é suficiente. Por isso, decidiu que a dificuldade em se organizar frases num texto bem bonitinho não haveria de ser empecilho e que chegara mesmo o momento de redigir qualquer coisa ao homem que, segundo eles, soube tratá-los com dignidade, atitude cada vez mais rara num país que privilegia quem não necessita de privilégios, numa nação, cujos governantes se entusiasmam diante da desigualdade social com seu, cada vez maior, exército de moradores de rua.

Chego a pensar que a simplicidade daquela gente que vi na matéria jornalística é o combustível que mantém andando este trem que segue por caminhos tortuosos, e que não sinaliza para uma mudança de rumo em curto prazo. Longe disso!
 




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