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Especialistas pedem cautela com MP do Ensino Médio
Por Matheus Angioleto
especial para o Diário
27/02/2017 | 07:07
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André Henriques/DGABC


O projeto de lei da reforma do Ensino Médio, sancionado pelo presidente Michel Temer (PMDB), lança desafios a educadores e a instituições no Grande ABC, que pedem cautela com a medida provisória. A principal preocupação é como se adequar às regras definidas pelo governo federal e a grande dúvida é quanto à eficiência e à necessidade da medida, a qual deve ser executada a partir de 2019.

O deserto encontrado por diversos estudantes que chegam defasados ao Ensino Médio exemplifica a preocupação com a qualidade do conteúdo e as possibilidades de futuro. Os atores sociais terão o desafio de chegar ao patamar de protagonismo que a medida propõe tanto para quem pensa em focar nos estudos quanto para quem deseja ensino profissionalizante.

Para a professora Cristiane Gandolfi, da Universidade Metodista, mestra em Educação pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, não fazer Educação é um projeto político. “Não adianta ter discurso. Se você não toca no problema da Educação, como se resolve?”, indaga.

Na opinião dela, o Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, está sendo tratado como se tivesse a estrutura do mundo do trabalho. Cristiane aposta na redução da potencialidade do conhecimento após a implantação da medida. “Parece que estamos tentando reinventar o que não funciona. Até que ponto a Educação está pronta para dar respostas?”.

A definição do que estudar depende das relações sociais e do capital cultural que o jovem carrega na bagagem. O educador ajuda o estudante no processo de autonomia. O currículo deverá ter 60% do conteúdo preenchido pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a qual deve ser definida até o fim de 2017, e 40% voltados para itinerários formativos, nos quais o estudante poderá escolher entre cinco áreas de estudo (linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional). A obrigação das escolas é fornecer ao menos um dos cinco itinerários.

Ponto positivo da medida para Cristina é a quantidade de discussões, de materiais jornalísticos e a preocupação da sociedade com a escolaridade, além do protagonismo do jovem ao escolher o currículo.

Defendendo as discussões com faculdades, especialistas e professores, o docente de mestrado em Educação da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Paulo Sérgio Garcia considera que fazer reforma sem falar com alunos é causar confusão e discordância. O docente afirma que há algum tempo o Ensino Médio não vem bem. “Dados apontam que apenas 10% dos alunos aprendem matemática adequadamente”, exemplifica.

Ele questiona a condução da reforma, mas considera bases amplas e interessantes as que dizem respeito à flexibilização do currículo e à ampliação da carga horária, além da condição de disciplina facultativa. A contradição entre investimentos e corte de gastos propostos pela PEC 55 complica a ampliação da jornada de ensino, além da contratação de professores e estrutura. “Isso demanda recursos para escolas e faz as pessoas questionarem de onde virá esse dinheiro. Existem diferenças regionais e até dentro do Grande ABC entre as cidades”, aponta. “A flexibilização está sendo criada pelas escolas. Fora do País é criada por alunos. Criar disciplinas ao invés de percurso é negativo do ponto de vista do dualismo educacional.”

Ainda na opinião de Garcia, o fator econômico pode atrapalhar a execução da proposta. “Com a dificuldade de arrecadação, a iniciativa de flexibilização do currículo, que já é antiga, faz com que a questão da revisão do Ensino Fundamental seja colocada em pauta.”

Escola antecipa implantação do novo modelo
O Colégio Anchieta, em São Bernardo, antecipou-se à medida provisória do Ensino Médio e implantou projeto piloto. A iniciativa busca trabalhar a interdisciplinaridade em algumas matérias. O cruzamento de conteúdo, a participação de tutores nas salas e a autoavaliação dos jovens é um dos destaques da proposta. Os alunos-alvo da iniciativa em 2017 formam uma sala do 1º ano do Ensino Médio.

Marina Trindade, designer educacional da escola, afirma que o sinal de alerta foi ligado no ano passado devido à crise econômica, que ocasionou na perda de alunos. Modelos da Europa, Estados Unidos e América Latina inspiraram o teste rápido. “Listamos as necessidades e os pontos críticos durante dois meses. Tive de mostrar aos alunos que isso tinha valor, pois eles são extremamente imediatistas”, diz. A meta é que no máximo em cinco anos a escola estenda o modelo para todo o Ensino Médio.

Com calma e apoio dos professores, o projeto foi implementado em 2016 em duas turmas do 2º ano do Ensino Médio, com 40 alunos em cada. Ao final, 64 estudantes se inscreveram para as aulas no último bimestre.

Como exemplo, as disciplinas de Inglês e Português foram unidas para que os alunos conseguissem trabalhar um jornal onde a docente aplicava os conceitos por meio do periódico. O conceito de sala de aula invertida, onde o aluno vê a teoria em casa e a prática na escola, também foi adotado.

O conteúdo segue o sistema de ensino, mas o desenvolvimento de projetos e a mão na massa são tratados como diferenciais. Conectando as pontas e permitindo o celular, algo proibido em outras salas, o trabalho com a tecnologia e os métodos diferenciados são a base do projeto.

O professor Fernando Portugal afirma que a inovação demanda saída da zona de conforto e preocupação com o desempenho dos alunos. Adepto de mudanças, ele diz que se colocou no lugar dos estudantes.

A aluna Maria Clara Sinigalli, 14, conta que teve preconceito com o projeto no início, mas assimilou a proposta. “Estou realmente gostando. Vejo gente que não dava a mínima para as aulas e agora está se esforçando. Está mais fácil, pois todos estão no mesmo nível de aprendizado”, diz.
 




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