Setecidades Titulo Reintegração de posse
PM esvazia terreno da Matarazzo

Área na divisa entre São Caetano com a Capital tinha cerca de 600 famílias, mas apenas dez permaneciam no local após notificação da Justiça

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
26/04/2015 | 07:00
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O Sol ainda não havia nascido na manhã de ontem quando a migrante nordestina Edvânia Maria da Silva, 30 anos, ouviu as primeiras viaturas da PM (Polícia Militar) estacionando no terreno ocupado por sem-teto e que pertence à Indústrias Matarazzo, na Avenida dos Estados, divisa de São Caetano com a Capital. Ela passara a noite em claro, apegada aos três filhos, rezando. As preces não evitaram a reintegração de posse, determinada pela Justiça, mas, ao menos, acalmaram as crianças.

Ester Maria, 2, acompanhava sorridente a movimentação do trator que derrubava os cerca de 600 barracos que ocupavam há 12 meses as áreas da Matarazzo e, ao lado, da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Os irmãos mais velhos, Matheus, 11, e Graziele, 9, também estavam vidrados na voracidade da máquina. Em algumas horas, o trabalho estava consumado.

“Não sabia de nada. Vi a movimentação das viaturas nessa madrugada e imaginei que iriam tirar a gente daqui”, relata Edvânia, que revela ter acabado de chegar de Alagoas com o marido, Francisco Valter da Silva, 43, os três filhos e o sonho de uma vida mais estável. Por enquanto, será obrigada a adiar os planos. Por um tempo, terá de morar com “conhecidos”, na vizinhança.

A PM foi preparada com 450 homens do Grande ABC e de São Paulo, além do reforço de helicóptero. Os invasores se resignaram. A reintegração de posse foi pacífica. Estimava-se que 600 famílias estariam no local, mas a maioria já havia saído espontaneamente durante a semana, restando cerca de dez. Oficiais de Justiça entraram no local e conversaram com os moradores.

Segundo o responsável pela operação, o tenente-coronel Luiz Antônio Dantas Valente, comandante do 6º Batalhão da PM (que cobre São Caetano e parte de São Bernardo), não ocorreram conflitos. “Foram seis meses de planejamento e reuniões. Como a maioria do pessoal não estava mais nos barracos, não houve problema.”

A coordenadora da associação de moradores, Vanessa Soares de Oliveira, afirmou que as pessoas já estavam avisadas há pelo menos 20 dias. “Eles estão há meses negociando e nós acompanhamos tudo. Se você juntasse todas, eram mais de 1.000 pessoas, mas a maioria já foi para outro lugar”, diz.

Cerca de 80 famílias já ocuparam outro espaço, logo atrás dos terrenos reintegrados. “Acabamos nos juntando aqui, em outra comunidade. Não temos para onde ir e nenhum órgão público se importa com a gente. Não tenho palavras para tanto descaso. A Prefeitura de São Caetano nunca mandou um assistente social aqui”, relata Vanessa.

Somente servidores da prefeitura de São Paulo compareceram ao local. A administração de São Caetano afirmou que não tem competência para atuar no endereço porque o terreno é particular e localizado na Capital.

HISTÓRIAS

Mesmo com a maioria dos moradores já ciente da reintegração, alguns foram pegos de surpresa. Como o paraguaio Oscar Oswaldo Lima, 25. Ele morava no endereço havia dois meses e disse não saber que a residência era fruto de ocupação irregular. “Vim de Assunção procurar emprego. Como não achava nenhum local mais perto do açougue onde trabalho, no Centro de São Caetano, aluguei um barraco.”

Ele, que fala português com dificuldades, ainda não havia decidido para onde ir. “Não conheço nada por aqui. Provavelmente vou alugar outro barraco em uma favela perto.”

Maria das Mercedes da Conceição Silva, 70, saiu da casa em que morava com o filho no Heliópolis, Capital, há seis meses. “Não dava para ficar com ele. A gente fica mais velha e quer morar sozinha, tem as nossas manias, nossas coisas. Não deu certo, vou ter que voltar para a casa dele.”

O desempregado Francisco Silva de Lima, 39, estava no local apenas para buscar alguns móveis. Emocionado, lamentava a situação: “É uma vergonha, mas não temos onde morar. Minha família está de favor na casa da minha sogra. Eu não arrumo trabalho, sou operador de máquina, mas não consigo sustentar meus dois filhos”.

Sentado em frente ao local onde funcionava o brechó da comunidade estava Vanderley Sousa, 32. Ele é cego há seis anos, quando foi agredido por usuário de drogas em Santo André. Seus dois olhos foram furados. “Vou deixar tudo. Não consigo tirar as coisas. Tem muita roupa, sapato e até móveis, mas vou só levar minha gatinha, a Sam. Minha mãe mora no Cingapura (conjunto habitacional popular na Zona Oeste). Ela está alugando o imóvel, mas devo ‘caber’ lá.”

Amparado em cabo de vassoura, Sousa faz tudo sozinho. Abre o barraco, que estava trancado com cadeado, e mostra suas coisas. “No passado, eu era segurança no comércio, tinha a vida feita. Já fui até locutor. Mas é a primeira vez que dou entrevista.” Mesmo com a insistência dos vizinhos para que ficasse no outro terreno recém-ocupado, não queria conversa. “Vou voltar para a casa da minha mãe. Já decidi.”

Advogado dos moradores, André Araújo está cadastrando as famílias para reunião com os governos municipal e estadual nas próximas semanas. “É negociação com CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) e prefeitura. Está no início. Pode demorar anos, pois precisamos de terreno e também subsídio da União. É demorado, mas já é um primeiro passo.” 




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