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Região ainda tem
famílias na miséria

Apesar de o País ter deixado o mapa da fome
da ONU, no Grande ABC há bolsões de pobreza

Por Daniel Tossato
Especial para o Diário
04/10/2014 | 07:00
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Andréa Iseki/DGABC


“A verdade, meu filho, é que eu pego comida do lixo para sobreviver”. Com estas palavras Terezinha Alves do Nascimento, 44 anos, resume sua batalha diária contra a fome, que ainda atinge 1,7% da população brasileira, apesar de o País ter deixado o mapa da fome da FAO (braço da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Moradora da comunidade do Jardim Santa Cristina, em Santo André, Terezinha mora com os três filhos, Joyce, 17, Graziele, 15, e Diogo, 12, dentro de um barraco de madeira minúsculo e com pouca mobília.

Viúva e desempregada, Terezinha diz que ainda está viva pelos filhos, pois teme que eles também passem por esta situação tão degradante. “Meus filhos me mantêm viva. Luto por eles”, disse.

Luta é uma palavra com a qual Terezinha convive a todo instante. Sai cedo de casa para pegar material de reciclagem, vender e juntar algum valor, que é “muito pouco” segundo ela. “Trabalho o dia inteiro, às vezes junto dinheiro por três semanas seguidas e consigo só R$ 200.”

A moradora do minúsculo barraco de madeira não ganha qualquer tipo de auxílio financeiro oficial e a maioria das doações que recebe, grande parte em alimentos, vem da benevolência de alguns integrantes da própria comunidade carente onde reside. “Recebo um pouco de comida dos vizinhos e isso já me ajuda muito”, diz.

Terezinha conta que já morou em uma casa, pagava aluguel e tinha o armário e a geladeira com bastante comida. Nunca pensou que passaria fome, mas tudo mudou quando ela foi acometida por uma grave doença e o marido morreu. “Foi tudo muito rápido, num período de três anos descobri que tinha câncer e meu marido morreu em um acidente, enquanto trabalhava.”

Graziele, uma das filhas de Terezinha, parou de ajeitar a casa quando percebeu que a mãe começou a chorar. A estudante confirma que a situação em que a família se encontra é difícil e que gostaria de poder dar uma condição melhor para a mãe e para os irmãos. “Muito triste ver minha mãe nesta situação. Queria estar trabalhando para poder ajudá-la e também meus irmãos.” Graziele ainda reforça a intenção de que trabalharia com o que aparecesse, pois enxerga num emprego a possibilidade de dias melhores.

Era quase meio-dia, Terezinha não sabia se conseguiria servir o almoço aos filhos.

DESESPERO

Também em Santo André, Adriana Sousa Rocha, 37, encontra dificuldades para contornar os problemas que a fome traz. Vivendo com cinco filhos e dois netos num barraco bem humilde no Parque João Ramalho, ela afirma que sempre entra em desespero quando percebe que não tem comida o bastante para alimentar a família.

Adriana tem de administrar as parcelas que ganha do Bolsa Família, R$480 por mês, e dividir os gastos. É desse dinheiro que ela também paga o aluguel do pequeno barraco – cerca de R$ 120 mensais – e efetua o pagamento da conta de luz. “Ainda bem que não pago mais nada. Ainda sobram uns R$ 200 para comprar algo para colocar na mesa.”

Adriana veio de Cubatão para Santo André quanto tinha 12 anos. Já foi usuária de drogas e depois que chegou à região nunca teve residência fixa. Trabalhando como manicure, diz conseguir algum dinheiro, mas nem sempre tem verba para comprar os materiais que precisa. “Quando não tenho mais nada, saio e peço esmolas na rua ou vou ao mercado e pergunto se não podem me dar qualquer coisa para comer.”

Nenhum dos seus cinco filhos trabalha. Fernando Henrique, 18, é o mais velho e faz bicos como jardineiro, porém, Adriana lamenta que ultimamente não tem dinheiro para pagar a condução para o jovem poder procurar serviço. “Tem dias em que eu gostaria de ser uma heroína para resolver todos os problemas.”

Adriana relatou que, quando criança, sonhava sempre que se tornaria uma ótima dona de casa. Cuidaria do lar e das crianças enquanto o marido estivesse trabalhando. “Meu maior sonho hoje é ter uma mesa com comida.”

Políticas públicas devem avançar, diz filósofo

Em setembro de 2014 o Brasil deixou oficialmente o mapa da fome, segundo a FAO (braço da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). O País reduziu em 82% a população de pessoas em estado de subalimentação. O documento mostra que havia 19 milhões de pessoas em situação de subnutrição no Brasil há 11 anos e hoje existem 3,4 milhões, ou seja, 1,7% da população.

O relatório da entidade afirma ainda que o Indicador de Prevalência de Subalimentação, medida pela qual a FAO dimensiona e acompanha o nível de fome em esfera internacional, atingiu nível menor que 5% no Brasil, número que abaixo do qual a organização considera que a nação superou a fome.

Para o professor de Filosofia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Marcelo de Carvalho, o resultado é fruto de mais de dez anos de políticas públicas executadas com o objetivo de acabar com a miséria no Brasil. “Ferramentas como o Bolsa Família e o Fome Zero, por exemplo, são ações que visam, objetivamente, a erradicação da pobreza”, explica.

Segundo o professor, o poder público ainda não consegue identificar, na sua totalidade, onde estão as pessoas que ainda vivem em vulnerabilidade social. “Geralmente encontramos famílias que estão vivendo o fantasma da miséria nas localidades mais afastadas dos grandes centros urbanos, como Norte e Nordeste, onde o acesso às políticas públicas é mais difícil”, afirma.

“É preciso lembrar também que a redução da pobreza pode ser amenizada por meio de políticas voltadas à reinserção dos desempregados ao mercado de trabalho e à ampliação da escolaridade.” 




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