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Dia movimentado em Veneza
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03/09/2008 | 07:01
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Foi o que se poderia chamar de jornada árdua a de terça-feira no Festival de Veneza. Três filmes em competição, que não dão a menor moleza para o espectador - Teza, de Haile Gerima (Etiópia), Soldado de Papel, de Alexei German Jr. (Rússia), e Nuit de Chien (Noite de Cão), de Werner Schroeter (França/ Alemanha). Em comum, entre os três, a característica de serem longos, de estética empetecada, redundantes.

Teza é uma espécie de Novecento (o grande filme de Bernardo Bertolucci) etíope. O personagem principal volta à sua terra depois de anos no exílio, e, em flashback, recorda-se do passado, dos anos 1960, quando ele e companheiros sonhavam com a revolução, depois a tirania do regime socialista no país, a ditadura de Hailé Selassié etc. O filme não deixa de ter encanto em certas partes, mas não se livra de um tom pesado e prolixo na maior parte do tempo. O protagonista Aaron Arefe, com seu carisma, carrega o filme nas costas.

Soldado de Papel volta ao tempo da União Soviética, e, mais especificamente, a um dos episódios-chave da Guerra Fria, o lançamento do primeiro homem ao espaço, Iuri Gagarin, com o propósito de mostrar a superioridade do regime comunista sobre seu oponente capitalista.

O filme toma como personagem não um cosmonauta (astronauta era a designação norte-americana), mas um médico da equipe. Falado demais, exibe uma estética interessante ao mostrar o caos da estação científica plantada no Casaquistão, na época uma das repúblicas soviéticas. O espectador, coitado, sente-se massacrado.

Mesma impressão (por outros motivos) para Noite de Cão, do diretor Werner Schroeter, um dos papas do Cinema Novo alemão dos anos 1960. Inspirado em texto do uruguaio Juan Carlos Onetti, o filme mostra uma distopia política numa cidade sitiada, dominada por policiais violentos, políticos corruptos e, ainda por cima, assolada pelo cólera.

A população, em massa, tenta escapar por navio, mas os bilhetes para fugir a esse inferno são, compreensivelmente, disputados a tiros e bordoadas.

Repercute, ainda, a presença dos índios brasileiros em Veneza, que representam a si mesmos em Birdwatchers, do ítalo-argentino Marco Bechis. O tradicional Corriere della Sera dá como manchete: O grito dos índios sacode Veneza. Os jornalistas locais, de maneira geral, elogiaram o filme, uma co-produção entre Itália e Brasil, pela maneira lúcida e pouco melodramática, porém enfática, como a questão indígena foi apresentada. Bechis, em entrevistas, tem insistido em se dizer chocado com o que viu no Mato Grosso, com o campo quase que todo ocupado, segundo ele, por plantações de soja transgênica, o que deixa cada vez menos espaço para as florestas e as pessoas que nela vivem.

A fala dramática da índia Eliane Juca da Silva também continua a ressoar. O ator italiano Claudio Santamaria disse que se sentia recompensado ao ver os índios falando de seus problemas diante da imprensa internacional. "Isso me dá esperança de que alguma coisa possa mudar no Brasil em relação à demarcação das terras indígenas", disse.

Foi também muito bem-sucedida a coletiva do diretor Júlio Bressane, que estava acompanhado da roteirista Rosa Dias e da atriz Alessandra Negrini. Bressane respondeu a questões sobre a concepção visual do filme e também sobre o processo de adaptação de dois contos de Machado de Assis - Um Esqueleto e A Causa Secreta - no longa-metragem A Erva do Rato. "Trazer a literatura de Machado para o cinema é uma operação transemiótica", disse. "O que procuro é incorporar algo do estilo de Machado de Assis na própria linguagem do filme; quer dizer, há uma sugestão de leitura de Machado feita pelo cinema, mas apenas uma sugestão."

Também em Veneza, a atriz Natalie Portman estreou como diretora com o curta-metragem Eve, estudo sobre o comportamento de mulheres de diferentes gerações.

"Como atriz, nós sempre nos sentimos guiadas pela mão do diretor. Já no papel de cineasta, ficamos sós; realizamos um trabalho do princípio ao fim, e sempre por nossa conta. É como se fosse a passagem da infância para a idade adulta", disse.




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