Política Titulo Entrevista da Semana
O Procon tem de recuperar o protagonismo

Fernando Capez, 55 anos, enfrenta novo desafio à frente do Procon Estadual. Ele promete mudar “a cara” do órgão responsável pela defesa do consumidor e afirma que o mesmo deve assumir o seu protagonismo

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
29/04/2019 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 Depois de atuar no Ministério Público e como deputado estadual por três mandatos, inclusive com uma passagem pela presidência da Assembleia Legislativa, Fernando Capez, 55 anos, enfrenta novo desafio à frente do Procon Estadual. Ele promete mudar “a cara” do órgão responsável pela defesa do consumidor e afirma que o mesmo deve assumir o seu protagonismo.

Principalmente na era da Internet, quando as pessoas recorrem às redes sociais e sites de reclamações. Por causa disso, ele anuncia a criação de aplicativo que deve trazer a resolução do problema do consumidor no prazo de até dez dias. O serviço será lançado até junho.

O senhor trabalhou no MP (Ministério Público), foi deputado estadual e agora comanda o Procon do Estado, É outro grande desafio?

Sem dúvida. Comecei muito cedo no MP, entrei com 23 anos e estou lá há 31. Resolvi sair como candidato a deputado estadual em 2006. Minha família foi contra, mas queria encarar o desafio. Me elegi com 96 mil votos, fui presidente da Comissão de Justiça, me reelegi em 2010 com 214 mil votos, fui o terceiro deputado mais votado. Em 2014 foi com quase 307 mil votos. Fui eleito presidente da Assembleia Legislativa. Nesse período, ela funcionava em ritmo rápido e efetivo, cortamos as despesas e renegociamos contratos, chegando a R$ 80 milhões de economia. Tinha gestão, celeridade nos projetos e uma atuação diferenciada. Criei um órgão na época, o NAE (Núcleo de Avaliação Estratégica), responsável por fiscalizar equipamentos de saúde e segurança, entre outros. Em seguida, tivemos que enfrentar uma articulação muito forte contra mim, e ali conheci o lado perverso da política. Percebi que muitas vezes, na política, ir muito bem pode não ser bom para o político. Ao mesmo tempo que você está indo muito bem você atrapalha as pessoas, porque está ocupando muito espaço. Então tive que enfrentar a maior baixaria da história da minha vida, mas graças a Deus, com muita força, enfrentei essa articulação e esclarecemos tudo. E agora, no comando do Procon, realmente uso toda essa experiência acumulada de vida.

Isso porque já era uma atuação na defesa, mesmo que não fosse do consumidor?

Exatamente. Quando o governador João Doria (PSDB) me convidou para assumir o Procon, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a similitude. Era uma atividade muito parecida com a que eu tinha no Ministério Público. O promotor é defensor do cidadão e o Procon é a defesa do cidadão enquanto consumidor.

Qual o principal objetivo à frente do Procon?

Fazer com que recupere o seu protagonismo. Essa é a minha principal função e também missão. O Procon, ao longo das décadas, foi perdendo o protagonismo para instituições privadas. O Procon de São Paulo tem um dos melhores quadros de funcionários do País, o que acontece é que estes profissionais altamente qualificados e preparados não podem ficar presos a uma estrutura burocrática. Com todo o conhecimento e potencial que eles têm, não podem perder tempo montando capa de processo e preparando ofícios. Estou preocupado em usar todo este potencial para fazer o que o Procon tem feito, atuar no momento em que ocorre o fato.

Como assim?

O Procon está se antecipando ao fato. A Gol Linhas Aéreas, por exemplo, teve um problema com um modelo da Boeing, e nós, no mesmo dia, oficiamos a empresa para não decolar a aeronave. Não havia segurança para isso. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) imediatamente fez uma reunião com a Gol, que por uma reflexão própria resolveu deixar no chão as aeronaves. É um trabalho de prevenção, pois de nada adianta depois que caiu a aeronave procurar indenizar as famílias, tem que evitar o acidente. Outra questão em que estamos atuando é na situação da Avianca. O Procon tem ido toda semana nos aeroportos de Congonhas ou de Guarulhos, orientado os consumidores. Já notificamos a empresa várias vezes, dizendo que se a Avianca cancelar os vôos, ela tem que realocar estes passageiros em outros vôos e até pagar as despesas de alimentação e hospedagem.

Quais outras ações que o senhor destaca nestes dois meses de gestão?

Chamamos todas as instituições financeiras através da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), as operadoras de telefonia celular, as quatro companhias aéreas. operadoras de planos de saúde e os supermercados. São empresas que representam 98% das reclamações. Por meio desse termo eles serão obrigados a aderir a um aplicativo. Aderindo, eles vão ter dez dias para resolver o problema. O consumidor reclama pelo aplicativo e a empresa é obrigada a resolver o problema em dez dias. Caso alcancem índice de resolutividade por volta de 90%, recebem um selo de empresa amiga do consumidor. Os 10% remanescentes serão analisados pelo Procon, que vai chamar a empresa e mediar uma conciliação. Nós esperamos, com isso, evitar a judicialização das demandas relativas ao consumidor.

Em quanto tempo este aplicativo deve estar disponível aos consumidores?

Pretendemos anunciar até o começo de junho, em até 40 dias no máximo. O papel do Procon é, primeiro se tornar um canal rápido de reclamações, resolvê-las e evitar que a pessoa vá ao Judiciário. Também queremos trabalhar com a linha de orientação. Estamos criando a Escola Paulista de Defesa do Consumidor, que vai disponibilizar uma série de vídeos curtos para informação do consumidor sobre os seus direitos, e de orientação ao fornecedor, para que ele evite ser multado e respeite o consumidor. São vídeos de dois a cinco minutos, que estarão disponibilizados no Youtube. Com esta e outras ações de fiscalização e orientação já realizadas, o Procon pretende recuperar o seu protagonismo, não por vaidade institucional, mas porque ele é instituição que tem acento na Constituição, acento na legislação do Código de Defesa do Consumidor, e é um patrimônio da sociedade brasileira.

Pretende-se chegar a um tempo médio de solução de 10 dias das reclamações, mas quanto é este número hoje?

Uma média de seis a sete meses. Temos um serviço de excelência, mas as reclamações vão se avolumando porque o servidor precisa analisas se tem fundamento ou não, ele ajuda o consumidor a fundamentar a reclamação. Em seguida, ele manda uma CIP (Carta de Informações Preliminares) à empresa. Olha que bacana, ter um órgão do Estado que vai filtrar e chegar com uma reclamação redondinha para a empresa resolver. Agora, a reclamação vai direto para ela. A empresa que use a sua estrutura para entender a reclamação, ver se tem fundamentação e resolver em dez dias.

Qual é hoje o índice de solução das demandas?

Já é 85%, só estamos pedindo que as empresas resolvam de 85% a 90% de um número muito maior de reclamações. Vou aumentar e facilitar o acesso porque mais pessoas poderão levar o seu inconformismo. O mesmo percentual vai continuar sendo resolvido, só que em dez dias e sem burocracia. Até porque se resolver em sete meses, a pessoa nem está mais interessada. O Procon tem que trabalhar sob os paradigmas da transparência, da informalidade, da celeridade e da eficácia.

Dados disponibilizados pelo Sindec (Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor), do Ministério da Justiça, mostram que somente neste ano o Procon estadual realizou 111,5 mil atendimentos. Nas sete unidades do Grande ABC foram 7.610. As unidades dão conta do atendimento de toda esta demanda?

O que queremos é exatamente isso. Integração. Não dá para ter o Procon municipal de Santo André adotando uma linha diferente do de Diadema, São Bernardo outra e o Procon estadual outra. Com este aplicativo, que é da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor, que integra o Ministério da Justiça) e do Consumidor.gov, São Paulo vai liderar movimento nacional para uniformizar este aplicativo em todos os Procons estaduais. E também nos municipais, que minha preocupação é até maior, já que temos 278 conveniados. Vamos tentar convencê-los a adotar essa mesma ferramenta, que não será obrigatória, será opcional. E estamos chamando todos para uniformizarmos nossa ação. O Procon precisa estar unido.

O senhor acredita que, muitas vezes, o consumidor não conhece o trabalho do Procon e acaba migrando para outros canais? Serviços como o site Reclame Aqui e até mesmo as redes sociais da empresa vêm sendo utilizados, mesmo pela facilidade do acesso à Internet. O aplicativo também vem ao encontro nesta questão?

Sem dúvida, o aplicativo contempla isso. Atualmente, o que é mais fácil, você fazer uma reclamação, alguém ligar para você depois fazer a fundamentação, ou você simplesmente jogar o problema e a empresa ficar preocupada porque está com baixo índice de avaliação? Vamos criar o nosso índice. O Procon vai se comunicar com a população e o trabalho da imprensa será fundamental, porque através dela o Procon vai chegar à população. O Procon é um equipamento público que pertence à sociedade, que precisa utilizar o que é dela. Ela não precisa usar um serviço privado. Temos que mostrar que o serviço público é mais eficiente do que o participar.

Qual a expectativa para os próximos meses?

Que em junho já esteja funcionando o aplicativo e no fim do ano tenhamos 400 Procons municipais que estejam usando a mesma ferramenta. O meu desejo é que a gente possa criar uma sintonia do Procon em todo o Estado, e que São Paulo lidere o funcionamento em todo o País.  




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