Setecidades Titulo Violência
Região tem um estupro a cada 26 horas

De janeiro a julho deste ano, foram 191 ocorrências do crime; especialistas defendem educação de gênero como enfrentamento à questão

Por Aline Melo
Diário do Grande ABC
16/09/2018 | 07:00
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O Grande ABC contabilizou, entre janeiro e julho deste ano, 191 casos de estupro, média de um registro a cada 26 horas. Os dados, divulgados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública), incluem também os crimes cometidos contra vulneráveis (menores de 14 anos, pessoas com deficiência e sem condições de se defender). Na comparação com o mesmo período de 2017, houve variação de apenas 2,55% na quantidade de ocorrências – foram 196 no primeiro semestre do ano passado.

Especialistas em questões de gênero consultados pelo Diário destacaram a necessidade de implementação de medidas preventivas em relação à este tipo de crime no dia a dia. Para eles, o combate ao machismo e às desigualdades sociais são formas de enfrentamento ao problema. Outro destaque é para a estruturação das redes de acolhimento e atendimento das vítimas, que devem receber mais atenção por parte do poder público.

Pós-doutora em gênero e desenvolvimento pela Universidade de Los Andes, na Colômbia, Izabel Solyszko ressalta que o estupro é, juntamente com o feminicídio, a expressão mais bárbara e brutal da violência de gênero praticada, possível somente numa sociedade patriarcal que domina e explora as mulheres. “Medidas preventivas implicam em mais iluminação pública, diminuição de terrenos baldios e de zonas sem saída nas cidades, mas também em falar de gênero nas escolas, educar para a igualdade e enfrentar uma educação sexista que ainda educa de maneira desigual meninos e meninas”, afirma.

Mestre em Direitos Humanos pela USP (Universidade de São Paulo), Tamara Gonçalves completa que é preciso considerar que grande parte dos crimes ocorre dentro de casa, cometidos por pessoas que as vítimas conhecem e confiam e, por isso, a importância da educação sexual. “Acredito em uma discussão mais intensa e aprofundada na sociedade sobre gênero e sobre sexualidade, incluindo educação integral em sexualidade como conteúdo obrigatório em todas as escolas públicas e como diretriz para as particulares.” A especialista defende que tratar destes temas na rede de ensino cria ambientes seguros de discussão e colabora para identificação de novos casos.

SUBNOTIFICAÇÃO - Segundo o estudo “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2017, apenas 10% dos casos de estupro são registrados, sendo o crime com maior subnotificação no País. Para as especialistas, o problema pode ser explicado pelo frequente envolvimento de pessoas da família como autores das violências e pela falta de estrutura adequada ao atendimento das vítimas.

“É comum ocorrer a revitimização da mulher, que acaba tendo de contar a história diversas vezes. Os agentes públicos ainda perguntam que roupa ela estava usando no momento do crime. Há necessidade de trabalhar e melhorar a formação dos profissionais, tanto de Saúde quanto de Segurança”, explica Tamara.

Izabel ressalta que as vítimas de violência sexual precisam ser apoiadas e orientadas de maneira qualificada, numa atenção integralmente humanizada. “É necessário o bom funcionamento de uma rede de atendimento, que conte com os serviços de Saúde, com o sistema de Justiça criminal e com os centros de referência para mulheres, que oferecem atenção multidisciplinar em serviço social, psicologia e direito”, relata. A especialista reforça ainda que a decisão do governo federal em congelar investimentos tem colaborado para o desmonte destes serviços.

Especialistas rechaçam castração química

A castração química (inibição do desejo sexual por uso de medicamentos) é defendida por algumas pessoas como medida para combater os crimes de estupros. A alternativa é rechaçada por especialistas e estudiosas de questões de gênero e violência contra a mulher. A pós-doutora em Gênero e Desenvolvimento pela Universidade de Los Andes, na Colômbia, Izabel Solyszko, pondera que nem a pena de morte erradicou a prática dos crimes em alguns países. “O estupro e o feminicídio somente podem ser eliminados numa sociedade que não seja patriarcal. Numa sociedade que considera as mulheres humanas. É necessário construir essa sociedade”, afirma.

A mestre em Direitos Humanos pela USP (Universidade de São Paulo) Tamara Gonçalves lembra que a violência sexual, assim como toda forma de violência, tem a ver com o exercício de poder e a subjugação e humilhação do outro, e não depende necessariamente de desejo sexual. “O que a gente precisa é aprofundar a discussão sobre igualdade de gênero na sociedade, sobre sexualidade para crianças e adolescentes, para que elas saibam se defender. É preciso, ainda, melhorar os sistemas de acolhimento das vítimas e de punição dos responsáveis, dentro dos parâmetros legais estabelecidos”, finaliza. 




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