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De cinema de rua à sala de sacanagem
Por Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
13/03/2005 | 17:26
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Se o Cine Popular, em São Bernardo, exibisse o filme O Último dos Moicanos, a história do último índio de sua tribo serviria de espelho para o derradeiro moicano dos cinemas de rua do Grande ABC. O Cine Popular é o único sobrevivente de sua espécie que exibe filmes comerciais. Dos que estão em atividade, três exibem filmes pornôs e são ponto de encontro de homossexuais masculinos. Uma quarta sala (Martins Pena) faz circuito alternativo.

A maioria dos cinemas de rua da região ganhou outro destino. Eles se transformaram em bingos, escolas, estacionamento casa de shows, comércio, alguns foram fechados e demolidos. Ao contrário do que se imagina, apenas uma minoria de cinemas virou igreja. Entre os 37 locais que já foram cinemas de rua, pesquisados pelo Diário, cinco são templos religiosos.

Nessa mudança de atividade, sobraram poucos vestígios do passado. Uma exceção é o prédio do antigo Cine Central, na rua Perrella, em São Caetano. A fachada, pintada de verde e branco, como no passado, foi restaurada.

O proprietário do Cine Popular, Tércio Nelli, diz que existe preconceito em relação aos cinemas de rua. “Dá status dizer que se viu determinado filme em um shopping.”

Mesmo exibindo filmes comerciais a preços baixos (R$ 8 e R$ 4), há dias em que o Cine Popular fica completamente vazio. “O que me salva é que eu também sou dono de dois cines pornôs (Scala e Pégasus, na mesma cidade). O lucro dessas duas salas serve para saldar o prejuízo do Popular.”

O clima dentro dos três cines pornôs (Pégasus, Scala e Tangará, o último em Santo André) é efervescente, dionisíaco. Ninguém fica parado ali dentro. O sexo explícito rola na tela e na platéia. As pessoas circulam entre as poltronas. Casais formam-se e desfazem-se em minutos. São cinemas de pegação (ponto de encontro de gays masculinos).

Sofisticado, o Cine Scala oferece um dark room (na tradução literal, “sala escura”) a seus freqüentadores. A sala fica atrás da tela e é lá que se desenrola o verdadeiro filme. Abaixar-se para pegar algo que caiu no chão, pode ser perigoso... ou – quem sabe – uma tentação.

Recordações – Antigamente, assistir a um filme na região era um exercício de paciência. “Era tudo muito primário. Acabava a luz e a gente ficava no escuro esperando. Não tinha gerador”, lembra o integrante do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Santo André, Valdenizio Petrolli.

Às quartas-feiras, ele recorda, era a vez do “cinema adulto”. “É claro que não havia sexo explícito. As cenas mostravam um lago, uma mulher. Quando ela tirava a roupa e as peças caíam no chão, a cena mudava na mesma hora.” Na Sexta-feira Santa, um presente para os fiéis: as sessões eram de graça.

O primeiro filme que o maestro e apresentador de rádio Américo Del Corto assistiu em Ribeirão Pires foi um pastelão, estrelado por Carlito e Chico Bóia. A sessão aconteceu em 1930 no Cineminha do Prado, que funcionava na venda de Benedito do Prado (rua Boa Vista, hoje abriga o 2º Cartório de Protestos). “Na melhor parte da exibição, o filme era interrompido, porque a tela precisava ser molhada senão pegava fogo”, lembra Del Corto.



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